Sergio Rodrigues em Brasília: processos de recuperação e restauro

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I Entrevista com Frederico Hudson Ferreira, por Marcelo Mari e grupo de pesquisa. Apresentação e edição de Priscila Rossinetti Rufinoni e Yuri de Lavor I

Apresentação

A entrevista que ora publicamos foi concedida em 2022, dando sequência à série “Sergio Rodrigues em Brasília”. Entre a elaboração do texto final e a publicação, o mobiliário de que tratamos tomou, à revelia e tristemente, o centro da cena. Todos assistimos à imagem da cadeira de Jorge Zalszupin arrancada de seu espaço no Supremo Tribunal – espaço tão conhecido das contentas jurídicas da nossa história recente – e lançada à rua, junto do brasão da República. Vimos homens e mulheres arremessando extintores, arrebentando mesas e móveis, rasgando pinturas, em nome de alguma miragem de revolta contra não se sabe bem o que. Contra um “patrimônio” tão mal conhecido que mesmo os meios de comunicação não conseguiram escapar quer da metafísica vazia “era uma obra de arte”, quer da quantificação “avaliada em tantos milhões”. Metafísica abstrata e abstração quantitativa são reversos do mesmo em um universo no qual apenas a mercantilização dá vida aos objetos. Devolver a esses objetos o peso constitutivo de uma historicidade para além das abstrações talvez seja um trabalho por vir; um trabalho ao qual o ofício minucioso do restaurador, discreto e artesanal num mundo de estridentes miragens virtuais, faz-se central e mesmo revolucionário.

Priscila Rossinetti Rufinoni.

Fig.1 e 2. Acima, Átila Rocha e Michel Rocha, equipe de conservação e restauro da Câmara dos Deputados, na entrega do restauro da maquete tátil, em fevereiro de 2022. Abaixo, a mesma maquete vandalizada na invasão do Congresso Nacional em 8 de janeiro de 2023. Acervo de Átila Rocha. Fonte: autores.

Publicamos a conversa com Frederico Hudson Ferreira, professor doutor do Instituto Federal de Brasília e um dos coordenadores da oficina escola de restauro de mobiliário do Núcleo de Pesquisas em Mobiliário do Instituto Federal de Brasília (IFB), campus Samambaia, que está encampando a restauração de móveis de Sergio Rodrigues em Brasília. A entrevista foi concedida em julho de 2022 ao coordenador do projeto “A influência do design brasileiro e os móveis institucionais de Sergio Rodrigues de 1959 a 1968” (FAP-DF), Marcelo Mari, docente do curso de Teoria, Crítica e História da Arte da UnB, com a participação de outros integrantes do seu grupo de pesquisa, citados ao final do texto. A apresentação do texto é de Priscila Rufinoni, docente da UnB, a transcrição e edição do texto de Yuri de Lavor, estudante de filosofia e pesquisador na área de Estética da UnB.


Frederico Hudson Ferreira: Tenho graduação em Design e mestrado e doutorado em História da Arte pelo Instituto de Artes da UnB. O Marcelo [Mari] foi meu orientador de doutorado, que concluímos em 2018. Sou professor do Instituto Federal de Brasília (IFB) desde 2014, e venho encampando uma militância pela pesquisa histórico-estética do mobiliário moderno de Brasília. É claro que Sergio Rodrigues é uma catapulta quando se fala do tema, tanto em Brasília quanto no Brasil.

Em 2016, iniciamos um projeto de iniciação científica com seis cadeiras da UnB produzidas na década de 1960 em uma marcenaria – não sei se é a mesma de hoje, o que é uma lacuna interessante – em parceria com o Departamento de Design. De lá para cá, muita coisa aconteceu. O IPHAN já aportou recursos em duas oportunidades, além da Presidência da República; Marcelo e eu restauramos juntos um sofá de Sergio Rodrigues que é patrimônio do Instituto de Artes, e desde então temos ofertado sobre o tema muitos cursos, muitas pesquisas e formação inicial continuada, que são os cursos de extensão. Já formamos mais de cento e cinquenta alunos – como um dos coordenadores do Laboratório de Conservação da Câmara dos Deputados e uma coordenadora do Laboratório de Conservação da Presidência da República, no Departamento Histórico de Patrimônio – e seguimos nessa batida.

Fig. 3. Michel Rocha restaurando o sofá Odilon, patrimônio do Instituto de Artes da UnB, 2017. Fonte: Acervo de Atila Rocha.

Fig. 4 e 5. Reforma do sofá Odilon de Sergio Rodrigues, patrimônio do Instituto de Artes da UnB, 2017. Fonte: Acervo de Frederico Hudson Ferreira.

Fig. 6. Detalhe do sofá Odilon restaurado, 2017. Fonte: Acervo de Frederico Hudson Ferreira

Atualmente trabalhamos com a Presidência da República e com alguns outros projetos que complementam essa atuação; isso nos levou a militar muito pela educação patrimonial, então temos escrito sobre o tema. Acabamos de escrever um resumo para um congresso internacional no Porto, já fomos algumas vezes a Portugal apresentar nosso trabalho e, em uma ocasião muito interessante, a convite da Embaixada do Brasil em Roma, fiz um levantamento do estado de conservação de um mobiliário originalmente projetado por Sergio Rodrigues antes de 1960. Tive o prazer de estar lá com o sobrinho do Sergio, Fernando Mendes. Passamos uma semana fazendo o levantamento desse mobiliário e elaborando as fichas técnicas; agora eles estão vendo como fazer a conservação, e não é um trabalho fácil levar restauradores e conservadores de Brasília para lá, mas vale a pena a teimosia neste caso. Assim, pude visitar aquele grande acervo; são incríveis as fotos que eles têm. O Ministério das Relações Exteriores valoriza muito a obra de Sergio Rodrigues, e na embaixada há peças belíssimas. Já conversamos sobre a Poltrona Navona, que tive a oportunidade de ver em visita com o embaixador. Desde 2016 nosso trabalho nunca parou. Agora estamos pensando na possibilidade de fazer uma especialização em educação patrimonial. É uma luta, mas, como ainda tenho uns trinta anos para me aposentar, quem sabe valha a pena. Estou tentando um pós-doutorado justamente para formatar esse projeto.

Eu não acho o processo de restaurar o mobiliário difícil. Pelo menos os órgãos com os quais tenho trabalhado – o Itamaraty, o Ministério das Relações Exteriores, a Presidência da República, o IPHAN e a UnB, que talvez seja a mais polêmica [risos] – têm se mostrado muito sensíveis à causa e fornecido todas as condições econômicas e técnicas para que o trabalho aconteça. O trabalho é moroso, mas confesso ter ficado surpreso com a abertura dessas instituições. É claro que tenho atuado com coordenações, diretorias e departamentos de patrimônio histórico; talvez minha visão seja limitada. De todo modo, temos restaurado muita coisa. A questão é que o volume de peças é tão extenso que nem tenho noção de quantas são, mesmo para a obra de Sergio Rodrigues. O fato de que a Embaixada do Brasil em Roma nos tenha convidado como IFB – e também tenha convidado o Instituto Sergio Rodrigues – para fazer esse levantamento mostra que existe uma grande movimentação. Mas devemos entender que isso deve ser não um projeto, mas um programa.

Editais têm sido aprovados para isso. Hoje mesmo saiu o resultado de dois programas de iniciação científica internos nossos para mais duas restaurações; a própria Presidência da República já manifestou interesse em renovar um acordo de cooperação de cinco anos que venceria agora e aportará mais recursos; a prestação de contas do IPHAN também está em fase final e pretende-se fazer uma renovação.

Marcelo Mari: Este é um período novo de interesse nesse mobiliário, que ficou muito tempo abandonado, esquecido.

Frederico: Inclusive, temos o caso de Anna Maria Niemeyer, não menos interessante que o caso de Sergio Rodrigues. Uma de suas mesas que restauramos, e que foi para o Gabinete da Presidência da República, estava de cabeça para baixo no depósito e empenada. O Ministério das Relações Exteriores criou uma Coordenação de Patrimônio, a própria Presidência da República também, o grupo da UnB está trabalhando e já lançou uma publicação, o IFB e o IPHAN têm atuado – a criação desses grupos é um caminho. Espero que o trabalho se preserve; talvez o mais difícil nesse processo seja a longevidade.

Marcelo: Seu curso no IFB continua com a intenção de formar técnicos em restauro? Ele seria um dos únicos cursos do Brasil a oferecer esse tipo de formação especializada.

Frederico: Nós pesquisamos e, de fato, não há outra formação com o perfil que oferecemos. Em primeiro lugar, o curso é voltado ao mobiliário moderno de Brasília, então Pernambuco não o ofereceria, nem Porto Alegre, nem Lisboa; o Rio de Janeiro talvez, com alguns móveis de Sergio Rodrigues. Características como essa nos conduzem a uma grande responsabilidade. Nosso curso ainda tem o formato de extensão; não se trata ainda de um curso regular, o que é nossa luta. Mas temos formado muitas pessoas, em uma carga horária de cento e sessenta horas e com viés muito prático. É um grande risco: estamos aprendendo a treinar pessoas sem nenhuma experiência para trabalharem com um mobiliário a ser retornado ao uso. Até hoje nada voltou, não sei por que cargas d’água [risos]. Acho que a esperança move, então o trabalho vem funcionando.

Marcelo: Sem falar no know-how de vocês, que já trabalhavam com mobiliário, com fabricação de móveis, com madeira. Isso é muito importante para a formação dos estudantes. O Sofá Odilon que vocês pegaram da UnB estava com o estofado todo rasgado e vocês conseguiram recuperá-lo; ele está hoje na sala dos professores.

Frederico: É interessante deixar claro que esse trabalho não é difícil tecnicamente. Os móveis são retos e estão em um estado de conservação relativamente bom. Isso facilita o processo. O desafio é encontrar os materiais, como um jacarandá, uma lâmina de pau-ferro, mas esse desafio também tem sido vencido.

Marcelo: Essa geração trabalhou com madeira de lei, com coisas que hoje nem mais existem, que estão em processo de extinção. Vale fazer uma autocrítica. Li uma entrevista que Sergio Rodrigues deu muito tempo depois de ter produzido tudo isso, já quase no final de sua vida, e ele falava que os móveis que havia feito com madeira de lei durariam trezentos anos; só seria preciso saber cuidar deles. Em resposta à questão do impacto ecológico, que não podemos negar, Sergio dizia se tratar de um material muito bom, de móveis que deveriam durar muito tempo. Hoje vocês trabalham com madeira nova, com madeira certificada de manejo? Como é a preocupação de vocês com isso, já que agora não podemos simplesmente cortar um jacarandá-da-baía?

Frederico: Sergio tem razão nisso. O mobiliário com o qual trabalhamos é um mobiliário que está em uso. Esta é uma tremenda discussão: como conservar algo que está em uso? Considerando-se, por exemplo, o Ministério das Relações Exteriores, que tem não sei quantos funcionários, como elaborar um manual de conservação e treinar o pessoal – em grande parte terceirizado – a não colocar jarro de planta sobre os móveis? Nós não conseguimos. Mas os móveis de Sergio Rodrigues e de outros designers, como Jorge Zalszupin e Bernardo Figueiredo, são realmente móveis de altíssima durabilidade, economicamente muito viáveis – se restaurados, eles podem durar por um longo tempo – e são feitos de material contemporâneo. O couro do sofá que restauramos é acessível em Brasília. É claro que há algumas exceções: para restaurarmos um sofá de cinco lugares de Anna Maria Niemeyer, precisaríamos pedir o couro em Belo Horizonte, mas de todo modo conseguimos encontrar esses materiais.

Outro aspecto que agiliza o restauro é o fato de não haver tombamento. Se precisarmos trocar um couro, quem vai falar que não podemos, dentro da razoabilidade? Não vamos trocar o couro por veludo, mas, se trocarmos um couro atanado por um couro um pouco mais acetinado e o móvel voltar para o uso, quem vai nos dizer que não podemos? Esses móveis não têm ficha técnica, não estão registrados, não têm tombamento, e isso nos leva a discussões muito interessantes. Mesmo no projeto das cadeiras da UnB passamos por um desafio desse tipo. Não estávamos encontrando couro atanado, e decidimos trocar por lona. Todos acharam a substituição viável, porque essas cadeiras não eram museais e precisavam voltar para o uso; uma lona é muito mais fácil de manter do que um couro atanado, que é preciso encerar todos os anos. Esta é uma questão nossa: como conservar um mobiliário moderno e um mobiliário contemporâneo?

No caso das madeiras, tivemos o exemplo do pé de uma mesa de jacarandá. O Laboratório de Produtos Florestais recebe muita apreensão de madeira ilegal, então recebemos de lá um lote de jacarandá via acordo de cooperação, um lote de jacarandá que, embora extraído ilegalmente, é certificado. É por meio desse acordo com o Ibama que temos recebido madeiras certificadas.

Marcelo: Como você pensa a utilização das madeiras? Quando não há madeira certificada, você acha viável trabalhar com outro tipo de madeira, que seja certificada?

Frederico: Não passamos pela situação de não conseguir uma peça de reposição. As principais madeiras utilizadas foram o jacarandá e o freijó – que é comercialmente viável –, mas para as lâminas tivemos algumas dificuldades. Quando trabalhamos com lâminas de jacarandá, temos de substituí-las por lâminas de freijó ou de pau-ferro, que são comerciais, legalizadas.

Marcelo: Você se referiu a um possível manual que normatizasse a limpeza dos espaços para impactar o mínimo possível os móveis no Itamaraty. Eu me lembro de que, quando fomos conversar com o Heitor [Granafei], um dos grandes problemas mencionados por ele foi o fato de o pessoal terceirizado, que vem sem muito preparo para trabalhar com esse tipo de objeto, acabar lavando os espaços, o que desgasta os pés das cadeiras, das mesas. Ele chegou a mostrar algumas coisas que estavam lascadas, justamente pela falta de preparo para a limpeza. Vocês chegaram a criar esse manual, essa padronização da limpeza do mobiliário e dos espaços?

Frederico: Não chegamos a criá-lo. A solução é mais simples do que parece. Por exemplo: na sua casa você tem um rodapé de madeira, e seu colaborador então joga um balde d’água. Você diz ao responsável que não é preciso jogar um balde d’água, que basta passar um pano, não é? É preciso ensinar a uma pessoa que, se ela colocar um copo molhado sobre uma madeira, a madeira vai estragar? O mesmo vale para o Itamaraty. É difícil porque se trata de coisas muito básicas e culturais. O exemplo que dei foi o [diplomata] Heitor Granafei quem me falou. Lá havia uma mesa de Bernardo Figueiredo com um jarro de planta em cima, e todo dia alguém regava aquele jarro e a água transbordava. É preciso falar disso para as pessoas? Não há um manual para resolver o problema. Nossa tentativa de minimizar o impacto seria trocar os revestimentos, os acabamentos – o que entra na questão do tombamento, ainda inexistente. O Freddy [van Camp] esteve aqui há um tempo e discutimos o assunto. Na época, Sergio Rodrigues usava goma-laca, e não havia o hábito do uso de máscara pelas pessoas. Se você der um espirro na goma-laca, você mancha a madeira. Propusemos trocar a goma-laca por um selador nitro, um selador concentrado, um verniz fosco, e o Fernando Mendes acatou. Estamos tentando melhorar esse ponto do acabamento das peças.

Marcelo: Então, pelo fato de esse mobiliário ser de grande uso, para evitar futuros incidentes com as peças e preservar ao máximo o restauro, você sugere modificar os móveis em vez de tentar reproduzir os materiais e a estrutura que já existiam?

Frederico: Sim, restaurar uma policromia, por exemplo, é complicado. Eugène Viollet-le-Duc foi o primeiro a trazer essa discussão, tratando por exemplo da Catedral de Notre-Dame. Quando restaurou as gárgulas, Viollet-le-Duc fez coisas completamente diferentes. Não havia registro; ele teve de reesculpi-las. Com isso começou a questão que discutimos agora.

Marcelo: Acho essa uma boa proposição. Vocês tiveram a sorte de encontrar as peças de madeira porque o Ibama está atuante em Brasília; vivemos uma situação de excepcionalidade, que nos dá o privilégio de ter essa madeira aqui. Há lugares em que a situação não é a mesma. Substituir materiais por outros que estejam disponíveis no mercado e que sejam de menor impacto ambiental é o desejado, não?

Frederico: Concordo. Temos aqui uma condição muito privilegiada, por diversos fatores, para que a conservação aconteça. Também vivemos um caso bastante específico. Existe uma parte de conservação e restauro de mobiliário, bens integrados e objetos para uso museal, o que é completamente diferente. Nós temos de reforçar parafusos, colocar adesivos novos, colocar seladores grossos, porque os objetos com que trabalhamos serão usados – e não sabemos onde serão usados. Se hoje uma mesa está no Gabinete da Presidência, amanhã ela pode estar no Gabinete do Senado ou no Cine Brasília; como lidar com essa situação? Além disso, para nenhuma peça recebemos um fichamento que descrevesse os acabamentos. O que seguir se não há registro? Nós estamos criando o registro.

Posso falar do caso da mesa de Anna Maria Niemeyer, esse caso gerou uma publicação que apresentei no Centro de Conservação e Restauro da Universidade Católica Portuguesa no Porto [1]. Essa mesa estava com cinco, seis ou sete camadas de cera. Como descobrir isso? Só conseguimos descobrir depois de termos passado o selador, na véspera da entrega. O móvel ficou todo branco, todo arrasado, porque a cera respira. Depois que se passa a cera não se tira mais a cera, é necessário um processo muito complicado. Aconteceu algo parecido no Itamaraty com a mesa da comunicação, na qual os embaixadores, os diplomatas, os convidados dão entrevista. O pessoal gosta de cera e é um trabalho danado removê-la. Há então o problema da falta de registro de processos anteriores de restauro. Estamos tentando registrar agora, mas esse esforço está muito aquém do desejado, porque não temos especialistas que consigam fazer a ficha técnica. Nós estamos restaurando e lixando, como fazer as fichas técnicas ao mesmo tempo?

Marcelo: O pessoal do IPHAN não pode ajudar nisso?

Frederico: O pessoal do IPHAN está cuidando de viaduto, do Teatro Nacional. Eles cuidam porque são eles que pagam, mas eles não têm como operar. Agora a situação está melhorando. Uma aluna de Museologia está terminando a graduação e está nos dando alguns toques de como preencher ficha, de como ganhar tempo com isso. Uma coisa é você passar um dia inteiro fazendo uma ficha, outra coisa é a mesma pessoa que está fazendo a ficha restaurar o móvel. Nós não conseguimos. Estou agora no processo de prestação de contas para o IPHAN. Fizemos uns quarenta móveis do Itamaraty e de outros lugares, e na hora de entregar o relatório era preciso incluir as fichas. Eu fiz as fichas depois do processo de conservação, mas o trabalho ficou capenga. Temos um curso de restauro, mas não temos um curso de museologia, não somos especialistas nisso.

Marcelo: Talvez uma parceria a longo prazo com historiadores e museólogos seja importante para adensar o projeto, porque vocês conhecem a fundo o material, sabem todas as técnicas.

Frederico: Sim, e estamos nos formando e andando ao mesmo tempo. Nós fazemos o teste no objeto real [risos], não tem ensaio. Se fazemos ensaio, perdemos tempo de trabalho e perdemos material, por isso fomos ousados de fazer o ensaio na peça, e deu certo. Sergio Rodrigues era realmente um gênio, ele facilitou muito o trabalho dos conservadores e dos restauradores. Qualquer estofador de Brasília pode reformar um móvel do Sergio, não é necessário um super-restaurador, porque tudo é reto, simples. Qualquer máquina faz.

Marcelo: E o que você está pensando para o livro?

Frederico: Estou elaborando o livro com Fernanda Torres, doutora em Produção, minha colega do IFB e integrante da minha banca de doutorado. Fernanda acredita nas mudanças que estamos propondo como legado e coordena nosso grupo de pesquisa. Esse grupo é composto por mais de quinze pessoas da área mais técnica do restauro, mas cujo trabalho comprova a ciência na prática, lixando, cortando, furando, embalando, transportando, fazendo todo esse trabalho. Chegou agora do Senado uma mesa de Sergio Rodrigues, que estava na casa de um senador de Mato Grosso. Estamos levando os conservadores e os restauradores do Senado para fazer o trabalho sob nossa orientação no IFB. Nós periciamos a mesa e estamos fazendo seu projeto de restauro. Talvez essa mesa seja uma das peças tecnicamente mais complicadas com que nos deparamos: ela estava em um apartamento funcional junto a oito cadeiras de Sergio Rodrigues e passou por uma insolação tremenda, por sopa quente e uísque. Ela está detonada. Essa é uma boa oportunidade para nós. O Alan Alves está viabilizando o trabalho e isso mostra o interesse do Senado Federal, que costumava ter muitos museólogos. Não sei como a situação está hoje, porque temos trabalhado mais com os conservadores do que com os museólogos. Como o caso dessa mesa está vivo, podemos debatê-lo em andamento.

Marcelo: Sim. Nenhum de nós, com exceção do Marcos [Anthony Costa Pinheiro], conhece a parte mais complexa da prática, de como vocês estão trabalhando o problema da madeira, por exemplo. Isso é importantíssimo, porque hoje há poucos registros desse processo e precisamos incentivar as pessoas – mesmo aquelas que trabalham a questão da história – a conhecer a técnica, a saber dos problemas do restaurador, para então poderem ir mais fundo na análise, considerando – para além do lado estético, formal – o lado material. O público leitor em geral também pode conhecer melhor a importância do trabalho do conservador e do restaurador.

Frederico: A madeira é um material vivo, que respira. Às vezes, se usamos um adesivo ou uma fixação inadequada, a madeira chia e nos coloca no lugar certo.

Marcos Antony Costa Pinheiro: A madeira é cheia de nuances, e essas nuances mudam de espécie para espécie. Durante minha experiência, para muitos dos móveis de Sergio Rodrigues não tivemos ficha técnica, e não soubemos a madeira utilizada, mas pudemos sentir que elas tinham padrões bem diferentes; elas já estavam bastante secas e contavam com uma preparação específica para aquela modelagem. Seu trabalho de encontrar outras madeiras e adequá-las ao móvel me parece complicado.

Frederico: Sim, mas Sergio Rodrigues foi tão esperto que não fez colagem de madeira, ele só fez ligação. Isso evita o grande problema de colar madeira. Em primeiro lugar, no Brasil não há garantia nenhuma de que a madeira esteja cem por cento seca. Nós temos um caso relevante sobre isso: no início da década de 1990, um designer – o melhor designer de madeiras com o qual tive a oportunidade de trabalhar – exportou para Miami um contêiner enorme de madeiras tropicais coladas. Quando o contêiner chegou lá, tudo abriu, e perderam-se milhares de dólares. A carga voltou e o designer não conseguiu recuperar, porque usou um adesivo brasileiro que não aguenta os setenta graus de um contêiner – e ele usava madeira clara com madeira escura, dura com macia. Essa ciência é inexata [risos].

Marcelo: Eu estava conversando com Freddy Van Camp sobre as poltronas do Teatro Nacional, de que ele fez a prototipagem, e ele comentou da fábrica da Oca. Eles vendiam grandes lotes de mobiliário para fora – para a IKEA, por exemplo – e mandavam parte dessas peças em um ano, peças que escureciam gradativamente. No caso da IKEA, quando eles enviaram o segundo lote, no ano seguinte, a loja o recusou sob a justificativa de que os móveis não estavam da mesma cor. A Oca teve de correr atrás de uma solução para isso, porque na época não havia no Brasil uma indústria que desse conta de problemas técnicos assim.

Frederico: Acredito inclusive que tenham comprado a licença de uma coleção do Sergio para produzi-la no exterior. Nossa indústria está para nascer, enquanto a Europa está em outro patamar nessa questão.

Marcelo: E isso já ocorre há um bom tempo. Desde a época em que começaram a produzir esses móveis havia a mesma dificuldade. O parque industrial brasileiro não dava conta das especificidades das demandas postas pelas empresas de mobiliário – e isso ainda ocorre hoje. Agora, o Marcos, que trabalhou na Maquete, pode falar sobre como viemos a contrapelo da história mais recente dos outros órgãos ligados à conservação da madeira.

Marcos: Até o ano de 2012, 2013, uma quantidade enorme de móveis dos departamentos era enviada para a Maquete. Ainda se fazia uma tentativa de reconstruir a história da UnB pela reforma do mobiliário – mesas, cadeiras com tiras de couro, cadeiras de descanso etc. –, o qual seria reenviado aos departamentos. As cadeiras ficavam amontoadas; não havia uma preocupação com elas. Uma coisa que não comentamos é o clima maluco de Brasília e seus efeitos sobre a madeira: temos uma estiagem e um período mais úmido; a cada seis meses a temperatura muda drasticamente. Gostaria até de perguntar ao Frederico se ele já se deparou com móveis de Sergio Rodrigues que tenham passado por interferências esdrúxulas. Na Maquete, observamos tentativas de conserto precárias, principalmente quanto ao travamento de espiga colado com cola de sapateiro e ao travamento de espiga com prego. Para a desmontagem e a restauração, o prego danifica toda a forma de soltar a espiga para uma boa colagem e a fixação da peça ao esquadro, além de marcar a madeira.

Frederico: Grande parte das interferências esdrúxulas dizem respeito ao tingimento, mas devo confessar que não temos observado muitas alterações estranhas, que nos assustem. Às vezes vêm problemas de estofamento: não havendo a identificação da peça, pode vir uma almofada fora de proporção. Semana passada, inclusive, pegamos de volta uma cadeira que havíamos enviado para a Presidência e que eu nem sequer tinha visto sair do IFB. Como não tínhamos registro, nosso pessoal fez um projeto de estofamento, fez o estofamento e, quando vi a foto, parecia uma botina de andar na neve, com uma abertura na ponta. Nós mesmos fizemos uma aberração, mas por falta de registro, de ter um desenho da almofada original; em casos assim, pegamos o móvel de volta e refazemos o trabalho. Outro exemplo é, de novo, o caso da mesa de Anna Maria Niemeyer: colocaram um quadradinho de madeira clara em um tampo de jacarandá; para nivelar, decidiram tingir tudo de roxo. Nós então raspamos a mesa, identificamos o tingimento utilizado – um tingimento industrial, vendido em qualquer loja –, recompusemos os veios da madeira e colocamos o quadrado. Mais um caso estranho que já comentei é a mesa da comunicação no Itamaraty, na qual sempre se davam entrevistas. Devido a esse uso, pegaram a mesa, furaram no meio e colocaram ali um microfone – fizeram uma intervenção para o uso. Nós refizemos a mesa e mandamos de volta, não sei como ela está agora [risos]. Hoje tem microfone de lapela ou de outros tipos.

Marcelo: Tanto você quanto o Marcos podem falar de como não se sabe aonde o mobiliário vai depois de restaurado. Apesar de ter surgido ultimamente uma cultura de preservação e uma boa-vontade de muitas pessoas, parte dessas peças tem destinos estranhos. Vimos o caso do TCU, que doou todo um mobiliário; no Cine Brasília, as poltronas foram removidas, em vez de requalificadas; na UnB, algo semelhante acontece: os móveis são levados a um depósito, galerias de arte os pegam, reformam e acabam vendendo.

Frederico: Recentemente fui a uma galeria e vi cadeiras da UnB, inclusive cadeiras de Sergio Rodrigues. Eles colocam esses objetos em leilão baratíssimo.

Marcelo: Sim, não se tem um registro da procedência desses móveis, o que é um problema.

Fig. 7. Restauro das cadeiras da UnB pela equipe do Instituto Federal de Brasília, 2016. Fonte: Acervo de Frederico Hudson Ferreira.

Frederico: Isso traz mais uma vez a questão da museologia. As cadeiras são vendidas no leilão como “cadeira de madeira, quatro pernas” e só. Quanto ao TCU, muitas coisas seriam leiloadas: Cadeira Kiko, Poltronas Juiz e mesas do Zalszupin, um galpão inteiro com coisas interessantes. O IPHAN, sabendo disso, intermediou o processo e eu visitei o galpão; era impossível guardar tudo, mas levei alguns móveis, que estão sob minha carga patrimonial. Agora estamos restaurando as peças e as doando para o Museu de Arte de Brasília (MAB), do qual sou curador. Mas doar não é fácil; O TCU consegue, mas o IFB não está conseguindo, porque é preciso passar por todo o Ministério da Educação, por toda a rede federal, por outros locais, e depois é preciso perguntar à UnB e ao GDF se podemos fazer a doação ao MAB. Com o apoio do IPHAN, mandamos dez dessas mesas para o Complexo Penitenciário da Papuda e fizemos lá um curso, restaurando-as com os reeducandos. Esse projeto está parado por enquanto; a Secretaria de Segurança está vendo como renovar o recurso.

Marcelo: Vemos uma descontinuidade institucional, porque, como você disse, não há um programa. Cada governo faz seu projeto, sem ligação com os demais. Também na UnB, que não possui uma política institucional sobre o assunto, os móveis ficam à deriva, e não sabemos onde eles vão parar. Outro ponto sensível mencionado por você é o fato de ficarmos obrigados, como servidores públicos federais, a assumir como carga nossa algo que deveria ser institucional. A instituição joga o patrimônio aos cuidados do professor – isso também aconteceu comigo.

Frederico: O professor Jaime Gonçalves de Almeida, da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, passou por um caso curiosíssimo. Ele, que é entusiasta da preservação dessas peças, estava recolhendo cadeiras e as colocando em sua carga; cheguei a restaurar trinta cadeiras que estavam sob seus cuidados e que seriam doadas para o Ministério do Meio Ambiente. Uma dessas cadeiras sumiu e o professor quase não conseguiu se aposentar.

Marcelo: Você, que milita pela valorização do patrimônio e pela formação dos alunos com peças historicamente importantes, tem de cuidar desses objetos como se eles fossem propriedades suas, porque o Estado se eximiu da responsabilidade por esse cuidado. A situação precisa ser modificada.

Frederico: Hoje estava em uma reunião no Museu de Arte de Brasília – MAB sobre o tema. As peças não foram doadas, e o museu não tem seguro para peças de terceiros; se algo acontecer, vou ter de pagar por crime de patrimônio público. Mas também é crime de patrimônio deixar os móveis largados ou vendê-los por milhões para a iniciativa privada. Na galeria que visitei, vi que a Cadeira Namoradeira de José Zanine Caldas havia sido vendida na semana anterior por 500 mil reais. Ou cuidamos das peças, ou elas vão para esse mercado.

Marcelo: Quando isso acontece, passamos para um canal que não conseguimos entender a partir da lógica institucional de valorização do móvel. O trabalho que você faz é de muito valor e precisa ser acompanhado pelas instituições. Uma vez, propus um tipo de patrimoniamento diferenciado para a UnB. Haveria um patrimoniamento para o mobiliário corriqueiro e um patrimoniamento diferenciado, porque histórico. Por exemplo, uma cadeira de Elvin Dubugras feita segundo a marcenaria da época de Darcy Ribeiro seria tomada como patrimônio histórico, e seria assim diferenciada. Nesse caso, a Reitoria a assumiria como carga patrimonial. As discussões não chegaram a lugar algum, mas temos de propor nessas instâncias formas novas de lidar com o patrimônio.

Frederico: A questão é: como transformar o patrimônio material em patrimônio imaterial, a fim de colocá-lo no Livro do Tombo Histórico e estabelecer outra relação? Estamos tentando, mas tombamento de bem integrado é algo raro. Quanto ao Dubugras, já restauramos algumas de suas peças, e o prefeito da UnB, Valdeci da Silva Reis, nos procurou para cuidar desse patrimônio. Existe um movimento. Já o caso do Cine Brasília é um buraco sem fundo; não há o que fazer. Quem vai pagar pelas mil e duzentas cadeiras? Onde elas serão postas depois, já que foram projetadas para estarem em desnível?

Marcelo: A Beatriz [Leiva de Medeiros] e eu estamos fazendo uma pesquisa sobre o Cine Brasília. Você poderia falar brevemente sobre como foi pensar a qualificação dessas cadeiras, como foi restaurá-las para fazer a exposição no MAB?

Frederico: A exposição conta a história [do complexo penitenciário] da Papuda, do Cine Brasília, do Brasília Palace, do TCU e a geração contemporânea?[1] Lá apareceu inclusive uma queijeira do Zanine, que foi doada; muitas pessoas estão doando mobiliário. Esse mercado é generoso, entende o valor histórico desses objetos, mas é claro que há uma jogada comercial: se a peça está em um acervo de museu distrital, seu preço aumenta. A exposição ficou linda, e é um acervo, o que traz outro ponto: estamos lutando para que o museu tenha agora um acervo de mobiliário. Quanto ao processo do Cine Brasília, confesso que não sei bem para que ele serviu. As poltronas, agora restauradas, ficaram lindas, mas para onde elas vão? Elas viraram acervo, mas ninguém se sensibiliza com isso. A Secretaria de Cultura está completamente voltada à restauração do Teatro Nacional; pessoas foram contratadas para especificar tapetes. Eles teriam condições de se preocupar agora com as poltronas do Cine Brasília?

Fig. 8. Poltronas de Sergio Rodrigues para o Cine Brasília, acervo do MAB. Fonte: Foto de Flávio Yukata Oshiro, 2022.

Marcelo: As poltronas estavam em bom estado? Elas foram tiradas de uma hora para outra e substituídas por novas no Cine Brasília.

Frederico: Estavam. E as poltronas que estão lá agora já estão todas arrebentadas.

Marcelo: As poltronas antigas pareciam ótimas, com um desenho mais econômico. Talvez não fossem tão confortáveis, porque as pessoas se sentariam para assistir a um filme e depois sairiam. De toda forma, elas pareciam muito eficientes. O GDF deveria assumir a identificação das poltronas como processo de recuperação do cinema.

Frederico: O auditório do Itamaraty está passando por algo semelhante. O pessoal me chamou para ver o que poderia ser feito com as poltronas de Zalszupin. Se eles não agirem agora, pode acontecer com essas poltronas o mesmo que aconteceu com as do Cine Brasília. Por outro lado, eles fizeram uma cotação com a empresa que produziu as peças, e o preço ficou em trinta mil reais para a restauração de cada unidade. A empresa original não quer restaurar, porque o trabalho é enorme, e não há empresas especializadas em restauro no Brasil. Por isso agora estamos tentando formar conservadores e restauradores.

Marcelo: O que você vê de atualidade na forma como Sergio Rodrigues produzia móveis, e o que ele ensina para a geração mais nova em termos de produção de móveis? O que há de bom nos móveis dele?

Frederico: Primeiro precisamos considerar o momento histórico, quando não havia como importar móveis. A Europa vivia o Plano Marshall, Brasília crescia e o modernismo chegava aqui, mesmo que tardiamente. Alguns fatores contribuíram para que Sergio Rodrigues fosse a pessoa, ou a entidade [risos], que comprou a briga. O que ele deixa de legado, afora as questões técnicas – seus móveis são impecáveis, e é visível seu apuro na marcenaria, no estofamento, no uso do latão, com ligações lindas –, é justamente o fato de ele ter comprado a briga por produzir um mobiliário com o que tínhamos e capaz de atender a demandas então institucionais, a exemplo da Embaixada do Brasil em Roma. Ele soube usar os materiais disponíveis e transformar nossas limitações técnicas e tecnológicas em potências, já que poderíamos produzir móveis duráveis.

Marcelo: Ele também conseguiu trazer a qualidade do design brasileiro: um desenho brasileiro, uma forma de se sentar, de usar os móveis.

Beatriz Leiva de Medeiros: Sim, ele deu materialidade a um modo de vida moderno de viver no Brasil, digamos assim, pensando como as atividades e o jeito brasileiro podem aparecer no mobiliário.

Frederico: Sergio Rodrigues projetou um modo de criar e, consequentemente, de produzir. As coisas produzidas hoje na madeira, no couro, na palhinha têm a marca dele, embora não exclusivamente dele. No sistema que construiu, Sergio produziu mais de mil móveis.

Marcelo: É fantástico o empenho em produzir algo que fosse nosso, que estivesse dentro de nossas condições e que refletisse nosso modo de ser, nosso comportamento. Muitos falam da Poltrona Mole como se ela fosse o todo da obra de Sergio Rodrigues, e ela é de fato uma parte importante de sua obra, porque traz, por exemplo, o direito à preguiça [risos]. Por outro lado, vemos um mobiliário mais racional em seus projetos SR. Havia uma proposta de produção em série de móveis dignos, bons e que pudessem ser usufruídos, democratizando a forma moderna e inserindo as pessoas em um novo patamar de qualidade de vida – esse ponto é fundamental em sua obra.

Frederico: Sergio Rodrigues talvez tenha sido aquele que mais soube se expor, por seu jeito simpático, mas o grupo com que ele trabalhava também não era brincadeira. Podemos falar de Lina Bo Bardi, Michel Arnoult, Anna Maria Niemeyer e Zalszupin, que continuou trabalhando até os noventa e cinco anos. É possível que quantitativamente ele tenha mais móveis em Brasília do que Sergio Rodrigues. Brotam móveis dele em várias instituições e em vários antiquários, porque um de seus legados também é um sistema produtivo.

Marcelo: E havia a ideia de construir um país novo, diferente, com a expectativa de um futuro renovado para o Brasil. Esse grupo adentrou em uma aventura de modernização brasileira. Mesmo que não tivéssemos a indústria, o know-how, as condições técnicas de produção, eles fizeram adaptações, tentaram e produziram coisas muito boas aqui.

Frederico: Coisas que ainda estão aqui. Hoje, se compramos um móvel, ano que vem temos de trocá-lo.

Átila Gregório Franco Rocha: Sobre o patrimônio em uso, o Itamaraty forneceu uma resolução interessante, em 2019, quando criou uma divisão de patrimônio histórico, a Coordenação Geral de Patrimônio Histórico. Acredito que eles tenham começado a diferenciar os patrimônios, tal como o professor Marcelo sugeriu para a UnB. Quanto à questão da educação patrimonial, a Câmara dos Deputados dá um ótimo exemplo, em 2018, promoveu a campanha Arte Por Toda Casa no intuito de juntar todos os servidores, terceirizados e demais trabalhadores da Casa e promover uma série de palestras para conscientizá-los não apenas sobre o mobiliário, mas sobre todo o vasto acervo da Câmara. Do ponto de vista da minha experiência lá, esse projeto surtiu muito efeito. Os profissionais da limpeza, portaria, segurança e das demais funções mudaram sua postura. Acredito que esse possa ser um caminho interessante para as instituições governamentais.

Frederico: Federais e distritais também; o governo do Distrito Federal possui um acervo muito forte, de mil e duzentas cadeiras, como falávamos, e não sei quantas há no Teatro Nacional. Eu participei da implementação desse grupo no Itamaraty, projeto que vem também do esforço do Heitor, que é apaixonado pelo tema. Eu fiz o inventário que subsidiou a constituição do mobiliário do Itamaraty. Se o Itamaraty, que possui uma de nossas maiores coleções, demorou tanto para tomar essa medida, imagine os demais órgãos. Que palácio das relações exteriores do mundo possui o acervo que o Itamaraty possui?

Marcelo: Isso é fruto de uma batalha de Wladimir Murtinho dentro da concepção de síntese das artes, uma coisa belíssima.

Frederico: O Itamaraty encampou e a equipe que está lá é muito boa. Eles inclusive puxaram um pessoal bom do nosso ex e futuro Ministério da Cultura [risos]. Agora uma parte desse grupo está na Coordenação de Patrimônio da Presidência da República, então vemos que as pessoas estão se movimentando na UnB, no IFB, no IPHAN, na Presidência, no Itamaraty. Fui ao Ministério da Justiça e o André, neto do Dubugras e sobrinho do Luis Humberto, está comprando a ideia. Também o Museu de Artes agora se abriu para o design enquanto acervo e está lutando em prol disso.


Notas

[1] FERREIRA, Frederico Hudson; TORRES, Fernanda Costa Freitas de. Oficina-escola de restauro de mobiliário moderno. V Encontro Luso-brasileiro de conservação e restauro. In: CONSERVAR PATRIMÓNIO 38 (2021) 44-48. ARP, Associação Profissional de Conservadores-Restauradores de Portugal ·

[2] Trata-se de exposição de mobiliário moderno e contemporâneo que ocorreu em julho de 2022 no Museu da Arte de Brasília (MAB). Mais informações em: https://www.ifb.edu.br/samambaia/31424-poltronas-do-cine-brasilia-sao-destaque-em-nova-exposicao-do-ifb-2  (Acesso em 23.06.2023).


Entrevistado:

Frederico Hudson Ferreira: doutor em História da Arte pela UnB, professor do Instituto Federal de Brasília. Coordenador da Oficina Escola de Restauro de Mobiliário do Núcleo de Pesquisas em Mobiliário do Instituto Federal de Brasília (IFB), campus Samambaia. Email de contato: 1863940@etfbsb.edu.br

Entrevistadores:

Marcelo Mari: doutor em Filosofia pela USP, docente do curso de Teoria, Crítica e História da Arte da UnB e do Programa de Pós-graduação em Artes Visuais da mesma universidade. Coordena o grupo “A influência do design brasileiro e os móveis institucionais de Sergio Rodrigues de 1959 a 1968” (FAP/DF).

Grupo de pesquisa:

Beatriz Leivas de Medeiros: arquiteta e estudante de graduação em Teoria, Crítica e História da Arte, UnB.

Flávio Yukata Oshiro: arquiteto e estudante de graduação em Teoria, Crítica e História da Arte, UnB.

Wryel Lima de Jesus: graduando em Letras – Português pela UnB.

Átila Gregório Franco Rocha: museólogo formado pela UnB.

Maria Clara Rocha: mestranda em Filosofia pelo Departamento de Filosofia da UnB.

Marcos Antony Costa Pinheiro: doutorando em Artes Visuais pela UnB.

E-mail de contato do grupo: marcelomari.vis@gmail.com

Apresentação e edição:

Priscila Rossinetti Rufinoni: doutora em Filosofia pela USP e docente do Departamento de Filosofia da UnB. Email: rufinoni@unb.br

Yuri de Lavor: graduando em Filosofia pela UnB e pesquisador na área de Estética. Email: yurilavor@gmail.com


logo_rr_pp v.7, n.13 (2023)

Licença: Creative Commons – Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional

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