O restauro do Convento de La Tourette

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| Entrevista com Didier Répellin, Inspetor Geral de Monumentos Históricos, por Ana Clara Giannecchini |

Obra da maturidade de Le Corbusier, o Convento de La Tourette, situado à Éveux-sur-l’Arbresle, perto de Lyon, foi construído entre 1953 e 1960 [1] a partir do desenho de Le Corbusier (Charles-Edouard Jeanneret) e de seus colaboradores: o arquiteto André Wogenscky e o arquiteto e compositor Iannis Xenakis. Os monges ocuparam o local em 1959.

No começo do ano de 1953, quando a Província dominicana de Lyon fez a escolha de Le Corbusier para a construção de seu convento de formação em La Tourette, o escritório do arquiteto trabalhava sobre três grandes projetos: a unidade de habitação de Rèze-les-Nantes e a de Berlim, que sucederam a de Marselha, a Capela de Ronchamp, ainda não concluída, e a cidade de Chandigarh, o projeto mais complexo e mais longo do arquiteto.

O concreto aparente proposto por Le Corbusier, uma das características mais notáveis da construção, alinhava-se bem às intenções dos dominicanos em meados do século XX. Era preciso mostrar o desprendimento dominicano pela pobreza do edifício:

Para nós, a pobreza dos edifícios deve ser muito estrita, sem nenhum luxo nem supérfluo e por conseguinte isso implica em que as necessidades vitais comuns sejam respeitadas: o silêncio, a temperatura suficiente para o trabalho intelectual contínuo, os percursos dos corredores e chegadas reduzidas ao mínimo (…) Lembre-se que nosso tipo de vida nos é absolutamente comum a todos e consequentemente não requer nenhuma diferenciação pessoal no interior dos grupos.[2]

Fig.1. Convento de La Tourette, Le Corbusier (fonte: foto de Jean-Baptiste Maurice, 2011). Licença Creative Commons Attribution – ShareAlike 2.0 Generic (CC BY-SA 2.0)

As obras de restauro do Convento de La Tourette foram iniciadas em 2006 e se estenderam até 2013, sob a responsabilidade do Arquiteto Chefe em Monumentos Históricos, Didier Répellin. As obras foram financiadas por um conjunto de recursos do poder público, incluindo Estado nacional, Região Rhône-Alpes e o Departamento do Rhône, e de algumas empresas mecenas, a Fundação Velux e a Fundação Spie Batignolles.

À época da entrevista, as fachadas e os espaços interiores das alas Sul e Leste estavam sendo finalizadas e eram iniciadas as elevações e espaços internos do oratório, dos corredores e do átrio.

O escritório RL&Associés do arquiteto Répellin possui uma vasta experiência em obras de restauro de envergadura. Atualmente está encarregado da maior operação privada de reconversão de um monumento histórico na França, o Hôtel-Dieu de Lyon, e da restauração do jardim de Tuileries, o mais antigo e maior jardim público de Paris. Na Itália, está em curso a restauração do Coliseu de Roma, reconhecido como Patrimônio Mundial da UNESCO.

O arquiteto Repellin recebeu esta entrevistadora em Lyon, em seu escritório, sito à rua Amédée Bonnet, n. 5, em 23 de Julho de 2010.

Esta entrevista foi motivada pelo interesse em conhecer experiências significativas de restauro de monumentos em concreto aparente. À época, esta autora acompanhava a aprovação dos projetos de reforma e restauro do edifício da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo, na condição de arquiteta do Departamento do Patrimônio Histórico da Prefeitura de São Paulo. Iniciava-se um grande debate interno nessa faculdade sobre a necessidade do restauro planejado da escola, que se efetivou entre os anos de 2009 e 2014. Poucos meses antes, havia também defendido um mestrado na mesma faculdade sobre o estado de conservação da vultosa obra de Vilanova Artigas.[3]

Estado de Conservação do Convento de La Tourette [4]

Ana Clara Giannecchini: Eu gostaria primeiro de saber como o senhor encontrou o convento. Qual era o seu estado de conservação em 2006?

Didier Répellin: O Convento foi concluído e ocupado pelos monges em 1959 (os Dominicanos). Mas sempre houve problemas. Desde 1960 havia problemas de estanqueidade da cobertura. Os terraços infiltravam, havia infiltrações, desde o começo. Os monges, os Dominicanos, não tinham muito dinheiro para refazer imediatamente, claro. Então, é a primeira restauro geral depois da construção.

ACG: Nunca houve obra de recuperação?

DR: Antes era manutenção e quando havia um problema, adicionava-se uma camada de impermeabilização, adicionava-se alguma coisa. Então, recolocava-se, empilhava-se, aumentavam-se as espessuras. Porque havia essencialmente o problema de estanqueidade. Não houve muito problema de estrutura, salvo painéis que estavam mal fixados no interior, onde há o balcão – “loggia”. Estavam mal fixados, então foi necessário parafusar alguns porque estavam a ponto de cair. Eu diria que, no Convento de Le Corbusier, a arquitetura é o que ela é, bastante interessante e notável, mas a execução é a pior que pode haver. A pior que pode haver porque Le Corbusier pegava empresas que não eram… os monges não queriam gastar dinheiro. Então, todas as empresas faliram. Eles eram artesãos que não eram competentes. Mesmo para Le Corbusier, havia muitos defeitos, mas os defeitos faziam parte da expressão do edifício.

ACG: O senhor disse que o Convento não foi bem feito. Teria um exemplo?

DR: Sim. O concreto foi mal vibrado, então foi mal lançado, enformado. Como se diz? A concretagem do concreto não foi boa. Havia zonas enormemente esburacadas, com buracos, então o cimento não foi vibrado. A argamassa de cimento não penetrava em todos os lugares. O ferro estava muito próximo da superfície. Assim, na superfície, [havia] uma película sem ferro e tínhamos o ferro erodido. Havia problemas de erosão do ferro. Problemas de fixação do ferro. Problemas, verdadeiramente, de execução ruim. Havia muita fantasia nos projetos. Os projetos não foram respeitados.

Estudo Prévio

ACG: Vou voltar ao início das obras. Eu tinha perguntado como o senhor encontrou o Convento. Digamos que em muito mal estado. Fazia parte do contrato de serviço fazer uma pesquisa sobre a história do Convento, no sentido “do projeto à construção”, para encontrar os detalhes da construção?

DR: Sim. Para os Monumentos Históricos fazemos aquilo que chamamos de “Estudo Prévio” e estudamos a história da construção, graças aos arquivos que possuíam os Dominicanos e igualmente os Arquivos da Fundação Le Corbusier.

ACG: Então havia bastante documentação, suficiente.

DR: Bastante documentação? Sim e não. Sim e não porque, mais uma vez, Le Corbusier veio muito pouco. Ele veio apenas três vezes no canteiro. E seu chefe de obras… todos brigaram. No fim, todos estavam desentendidos com todos. Acabou muito mal. Ninguém avisava uns aos outros. Houve muito pouca comunicação. Não houve nenhum relatório de visita de canteiro.

AC: Oh!

DR: Nenhum controle de canteiro.

ACG: Muito significativo.

DR: Sim. Le Corbusier, aliás, no dia da inauguração, Le Corbusier compreendeu que as escadas não funcionavam. Era muito tarde! Ele não as tinha visto.

ACG: Em que sentido não funcionavam?

DR: Inclinadas demais. As escadas são muito inclinadas, os degraus muito pequenos. E ele disse, descendo as escadas: “As escadas, perdidas!” Mas era muito tarde. Mas também os Dominicanos não avisavam Le Corbusier quando havia um problema porque eles tinham medo que ele mudasse, modificasse o projeto.

ACG: A relação entre os Dominicanos e Le Corbusier não era boa?

DR: Le Corbusier tinha relação excelente com o padre Le Couturier, aquele que é o iniciador, mas é só.

ACG: Certo.

DR: E isso é importante porque todo mundo diz “Le Corbusier viu tudo”, “Le Corbusier controlou tudo”, “É Le Corbusier”. Não, Le Corbusier não controlou nada e simplesmente ele deixou passar.

ACG: Ao final, eu imagino… Eu estudei o Convento um pouco por causa de um trabalho que eu fiz para o Master e há um bom livro, de um brasileiro que trabalha em Grenoble, Sergio Ferro, que fez a pesquisa dos projetos. Ele dizia exatamente que hoje nós tomamos [o Convento] como uma das obras mais importantes de Le Corbusier, um ícone da arquitetura de concreto aparente, mas qual foi verdadeiramente o papel de Le Corbusier? E as decisões importantes como deixar o concreto aparente assim?

DR: Mas, uma coisa, houve uma implicação muito forte de Le Corbusier na concepção. Na visão que ele tinha vis-à-vis do programa. O programa ele estudou muito bem. É muito sábio. É lá que vemos a concepção de Le Corbusier. Todos os painéis ondulantes de Xenaquis são muito precisos. Simplesmente nós percebemos que nada os sustentava. Percebemos que Le Corbusier tinha feito um projeto de vidro duplo [5]. E que nunca foi executado. Percebemos que há lugares onde ele desenhou um muro de concreto e o muro é de bloco de cimento. E lá, onde há bloco de cimento, era muro de concreto. Houve muitas modificações que nunca foram objeto de modificação dos projetos.  Os planos permaneceram como aqueles da origem, mas somente na execução. Então, há muitas coisas que foram feitas assim. Mas a concepção é verdadeiramente Le Corbusier.

O Concreto

ACG: Eu gostaria de saber como os senhores fizeram para resolver o problema de erosão do ferro, aqueles que estão na superfície do concreto.

DR: Removemos o ferro, o tratamos, passivamos e fizemos uso de inibidores de corrosão. Usamos inibidores de corrosão e depois arrumamos por baixo para fechar.

ACG: Na mesma distância?

DR: Na mesma distância, mas com uma argamassa mais estável que não permite entrada de água.

ACG: Então os senhores mudaram a argamassa?

DR: A argamassa? Não era mais a mesma argamassa… Enfim, depende se o ferro está na fôrma. Se o ferro está na fôrma, nós o recolocamos com resina, cimento e resina, respeitando a fôrma. Mas não afundamos os ferros. É a mesma distância. Simplesmente os neutralizamos.

A Estrutura

ACG: Houve, portanto, questões importantes da época da construção que explicam o estado de conservação, de fato.

DR: Exatamente.

ACG: E quanto ao cálculo estrutural, o senhor pensa que foi bem feito? Foram encontradas deformações estruturais ?

DR: Há deformações por todos os lados. Não há nenhuma linha reta. Há deformações por todos os lados. As juntas de dilatação estavam muito mal calculadas e há muitas fissuras no parapeito de concreto que apareceram muito rápido. Então, teve deformações por todos os lados. Mas não houve realmente problemas de estabilidade.

ACG: É chocante.

DR: E isso é importante de dizer, porque todo o mundo crê que Le Corbusier é preciso ao milímetro. Não, não. E os pilares são até mesmo assim [faz gesto de inclinação].

Projeto X Construção

ACG: Entre as principais modificações que podemos encontrar entre o projeto e a construção, o que pensa ser o mais importante? O senhor me disse que há muitas modificações que se constatam na execução. Mas qual delas é a mais significativa para o estado atual?

DR: O concreto. É verdadeiramente a execução que é pobre. Mas eles tentaram respeitar o desenho. Eu diria que é, mesmo, quase que a filosofia de Le Corbusier. É verdade que, para Le Corbusier, uma concretagem de concreto é como, como dizer, é como uma pedra talhada pelo escultor. E portanto, para ele, é uma expressão humana. Os defeitos são uma expressão humana que fazem parte. Nós dizemos com frequência que Le Corbusier é o cisterciense do séc. XX. A Ordem Cisterciense é uma ordem que construía muito bem, com abadias onde todas as pedras são talhadas impecavelmente. Entre as pedras não passa uma folha. Muito, muito preciso. Conhece a Abadia de Sénanque? São abadias no sul da França que são muito célebres, construções do século XII, medievais. E há muros muito, muito bonitos, porque cada pedra tem a marca do instrumento. E não há nenhuma decoração, não há nada além disso. E se pegar a fachada da igreja, com a grande fôrma, é como um muro cisterciense com a marca de cada operário. É um pouco esse o estado de espírito. O estado de espírito para Le Corbusier é verdadeiramente…

ACG: De deixar ao acaso?

DR: Se quiser, é uma arquitetura contemporânea tratada por um artesão.

ACG: É contraditório, talvez.

DR: Sim.

ACG: Demonstra muitas impressões que temos…

DR: Demonstra, sobretudo, alguém que estava justamente em transição. Que queria utilizar materiais contemporâneos mas ainda com métodos tradicionais.

ACG: É muito interessante.

DR: É um pouco o paradoxo de Le Corbusier e, em minha opinião, é justamente toda a contradição de sua arquitetura. Ela está mais aí. É uma arquitetura que se queria industrial, que se queria com um material contemporâneo, mas que foi construída de maneira artesanal.

ACG: Sobretudo com o concreto aparente, não é?

DR: Sim.

A Técnica de Le Corbusier

ACG: O senhor pensa que o conhecimento técnico de Le Corbusier era fraco? Qual era seu conhecimento em termos de execução?

DR: Não, eu não penso que fosse fraco. Mas era frequentemente o conhecimento geral que tínhamos do material. O concreto era ainda novo. Não tínhamos muito conhecimento. Sim,  pensávamos que fosse conhecido, mas não tínhamos de fato muito conhecimento. Eu penso que ele tinha um bom conhecimento, mas não era a técnica que o interessava mais. Toda vez ele tinha respostas inteligentes aos problemas. Ele se interessava muito mais pela tradução da luz, pela tradução da mensagem, e depois, sua vontade de guardar um lado artesanal quando se trata de uma construção moderna.

ACG: A “máquina de morar” não funcionou muito bem…

DR: Sim! Eu acredito que havia uma vontade de guardar o toque humano, eu acho.

AC: Ele era um artista. Ele se interessava pela pintura, pela escultura…

DR: Sim, sim. Um dia eles lhe disseram “a pintura vai ficar suja”. Ele mesmo desenhou uma forma assim em pintura para mostrar como ele respondia à questão. Ele tinha sempre respostas muito simples, muito diretas. É por isso que nós dizemos que era um cisterciense, porque ele volta ao essencial. Então, havia uma coisa muito bonita. Havia, na capela do oratório, onde ele tinha colocado um porta-velas… A vela era assim, uma grande vela com uma chama. E depois ele disse “os monges [inaudível]” porque havia uma mancha. E bem, no chão, se eu desenho o chão assim, e bem, ele fez isso. O tamanho da vela cai. E é tudo. Ele tinha frequentemente respostas interessantes, frequentemente picturais. Ele respondia pela pintura, artisticamente, a um problema técnico.

Critérios de restauro

ACG: Então, se eu perguntar quais foram os critérios de restauro, como podemos dizer?

DR: É uma restauro essencialmente de conservação. Podemos dizer que não mudamos os elementos. Todos os elementos são os elementos originais. Mudamos os sistemas de fixação, melhoramos os sistemas de fixação, melhoramos essencialmente os vitrais.

Principais dificuldades dos trabalhos de restauro

ACG: Quais foram, para o senhor, as principais dificuldades encontradas nos trabalhos de restauro?

DR: As dificuldades são muito simples. O tratamento do concreto. É o fato de que era preciso um tratamento bruto e que como o concreto não é estanque, todas as técnicas tradicionais para estanqueidade são de adicionar uma camada. Mas, se nós adicionamos uma camada, não temos mais o concreto bruto. Então, o problema está aí, a base está aí. Como tornar o concreto estanque? Fizemos muita pesquisa sobre isso. Até o momento nós encontramos uma estanqueidade incolor, mate, para passar sobre…

ACG: Uma resina?

DR: Não, não é uma resina. Porque uma resina faz uma película. Nós queríamos evitar o efeito pelicular. Nós tratamos assim sobre o “pyramidon”. Não havia infiltração. E no terraço nós utilizamos a técnica moderna de isolamento. Não havia nenhum isolamento. O edifício era muito mal isolado.

ACG: O teto jardim não tinha nenhum tratamento de impermeabilização?

DR: Sim, tinha uma camada tradicional, mas que não recebeu manutenção.

ACG: Mas na origem tinha?

DR: Sim. Era uma multicamada de asfalto.

ACG: O concreto bruto, o senhor dizia. Ele tem revestimento? Uma textura?

DR: Na origem?

ACG: Hoje. Parece, talvez.

DR: Não. Hoje nós passamos uma “água forte”. Porque quando nós limpamos, viam-se todas as retomadas que frequentemente foram feitas, mais escuras que antes. Então havia apenas manchas. Para atenuar nós passamos uma camada muito leve do que nós chamamos “acquaforte”. Muito transparente e apenas, que desaparece em dois, três anos. Mas isso evita, permite, eu diria, harmonizar o envelhecimento.

ACG: A água forte é água com cimento?

DR: Nata de cimento. E o cimento não era cimento puro. Era cimento bastardo, digamos. Nós percebemos que o cimento tinha uma pátina como a cal. Eu penso que havia um pouco de [inaudível] dentro, porque havia [inaudível]. Quando nós limpamos, o começo nós limpamos menos forte para guardar um pouco de pátina.

ACG: Interessante. Então, em todas as superfícies haverá uma camada.

DR: Sim, não é uma camada, é como uma aquarela.

ACG: Uma “velatura”?

DR: Sim, uma “velatura”.

ACG: Será necessário repassar com o tempo?

DR: Não. Eu penso que o envelhecimento natural vai se antecipar. O envelhecimento natural recuperará a uniformidade.

ACG: Vai proteger.

DR: Sim, proteger, se quisermos.

ACG: E a receita da argamassa, é a mesma da original?

DR: Sim, sim, praticamente. Mas é um pouco complicado porque na fôrma de concreto e todo o parapeito são feitos em revestimento. Há muito revestimento que não tem a mesma composição desde a origem.  Elas [as receitas de argamassa] são feitas com mais de areia e mais de… Não é a mesma. Isso é outra coisa. A proporção… Nada é unitário, é uniforme. De uma fachada à outra os concretos não são os mesmos. E o concreto do oratório não é o mesmo que o concreto dos corredores.

ACG: Os senhores fizeram a investigação de cada um desses concretos?

DR: Nós fizemos à medida. Resta ainda a Igreja, mas nós fizemos a análise de todos os materiais. Análises, amostras químicas e de concretos. É preciso se readaptar a cada vez. É um restauro, sim, como em um quadro.

ACG: O senhor pensa que há diferença entre o restauro de uma obra moderna e uma de pedra, por exemplo?

DR: Justamente, eu dizia a todos os operários: “eu nunca tinha pensado em uma pátina do concreto”. Há uma pátina do concreto e uma vibração do concreto. Há uma epiderme do concreto, como para a pedra.

ACG: E, mesmo assim, essa pátina, digamos, não está preservada agora.

DR: Quando nós limpamos, nós limpamos menos forte para deixar o efeito de pátina, dos liquens, guardamos a pátina. Mas depois os problemas eram as retomadas que foram feitas, porque nós não víamos nada além disso. Então, depois, quando limpamos, não víamos mais a obra, víamos apenas as retomadas.

ACG: Quando Le Corbusier fez a inauguração, ele não fez nada para esconder isso?

DR: Sim e não. Eu penso que sim, que ele não fez nada. Mas quando tudo estava limpo e novo havia menos contraste na obra entre um concreto e outro. O envelhecimento acentuou o contraste.

ACG: Certo.

DR: No restauro eu disse para não apagar as retomadas e as batidas [marcas das ferramentas]. Mas, visualmente, que não fosse a primeira coisa que se visse. Primeiro, deve-se ver a obra e depois as retomadas. Depende do mimetismo. Não depende de apagá-las completamente.

As Janelas

ACG: O que foi feito com as janelas?

DR: As janelas? Elas estavam extremamente finas, de 4 milímetros, o que não tinha nenhum isolamento térmico. E ainda havia grandes painéis. E os vidros quebravam muito frequentemente. E, desde o começo, 1959, o concreto quebrava porque o mastique era muito duro. Então eles tinham problemas de quebra de vidros. E mesmo os Dominicanos, eles mesmos, eles colocaram barras para que eles não caíssem. Depois eles colocaram barras duplas e era muito feio porque todas as janelas na vertical eram cortadas por barras de segurança. Não eram barras desenhadas por Le Corbusier. Não há nenhum desenho de barras por Le Corbusier. Os desenhos dos painéis são sem proteção. Mas tornava-se muito perigoso e um vidro poderia quebrar mesmo de cima. Agora que está aberto ao público, nós podemos ver. Assim, retiramos os vidros, colocamos vidros inquebráveis para assegurar a segurança, a proteção, e encontrar justamente essa grande claridade entre o montante vertical de concreto e o vidro. Agora o vidro tem 8 milímetros, duplo. Dois vidros com um filme entre os dois.

ACG: No contato entre o concreto e o vidro há um outro material?

DR: Não. Nós encontramos um contato direto entre o concreto e o vidro. Mas há uma barra intermediária que nós chamamos barra [inaudível] que está pintada em dourado e que dá ritmo no sentido horizontal.

O Teto Jardim

ACG: Qual foi a solução para o teto jardim?

DR: Os novos sistemas de estanqueidade, que são mais finos, permitiram encontrar o nível original do terraço. Porque sempre se subiu, o parapeito estava aqui, depois chegou aqui… É um sistema de painéis que se chama foam glass.

As Fachadas

ACG: Nas fachadas, houve trabalhos de consolidação do concreto?

DR: Sim. Houve injeções, deixamos fluir injeções nas fissuras e nós recolocamos os fixadores das barras de ferro quando faltavam. Quando o ferro estava deslocado.

ACG: E a recuperação das juntas de dilatação?

DR: Ah, isso foi bastante difícil porque havia qualquer coisa. Foi necessário refazer as juntas de dilatação. As técnicas modernas são mais fáceis que as antigas. Antes, colocava-se espuma… [inaudível] que são mais estanques. A estanqueidade nas juntas era feita com papel jornal.

As Técnicas de Restauro

ACG: Sobre as técnicas de restauro, houve alguma inovação, alguma técnica nova?

DR: Não. Nós misturamos bastante os métodos. Colocamos compressa, filme, látex, micro jateamento… Nós misturamos com frequência. A água a pressão dava bons resultados, mas não em todas as partes.

ACG: Foi previsto um programa de manutenção para o futuro?

DR: Sim, nós fizemos um caderno de encargos para o monitoramento de elementos. Monitoramento do escoamento de águas… Monitoramento essencialmente da estanqueidade.

Custos de Restauro

ACG: Em relação aos custos do restauro depois de 2006. Eles são os mesmos em comparação ao restauro de outro monumento, por exemplo, em pedra?

DR: Não. Não podemos fazer relações. O custo de restauro das grandes obras de concreto não foi muito caro. Todos os condutores que foram colocados no concreto foram esmagados por ele. Não podíamos reutilizá-los. A dificuldade foi a eletricidade suplementar, maior que as grandes obras.

O Papel da Direção de Monumentos Históricos

ACG: Em relação ao desenvolvimento da obra, qual foi o papel da Direção de Monumentos Históricos? É o papel de controlar os serviços?

DR: Quando a senhora diz a Direção de Monumentos Históricos, diz: eu ou a administração?

ACG: A Administração Pública.

DR: Ah, Administração Pública. Como é um monumento tombado, são eles que dão a autorização para os trabalhos.

ACG: Mas eles não acompanham os serviços?

DR: Durante o canteiro?

ACG: Sim.

DR: Sim, eles vêm, mas eu diria que eles confiam porque nós respeitamos o projeto. Veja, a França é o único país onde há um grupo de arquitetos especializados para os monumentos tombados.

O Arquiteto Chefe de Monumentos Históricos

ACG: Como no Brasil a figura do Arquiteto de Monumentos Históricos não existe, o senhor pode explicar qual a diferença de um arquiteto comum?

DR: Isso eu diria que vem da História. Na França, sobretudo depois de 1968, nas escolas, nós não aprendíamos nada sobre os Monumentos Históricos. E mesmo de uma forma geral. Então, decidiu-se por… há uma escola, que se chama Escola de Chaillot, onde nós aprendemos tudo o que diz respeito aos monumentos antigos. Quando alguém é diplomado por Chaillot, tem a permissão de prestar concursos e eu passei em dois concursos: Arquiteto de Construções da França e Arquiteto Chefe de Monumentos Históricos, para se ocupar de obras de monumentos históricos tombados.

ACG: Apenas grandes obras?

DR: Sim, porque é o Arquiteto de Construções da França que faz a manutenção. Mas agora isso está mudando. Agora, com a União Europeia, os projetos são abertos. Antes, nós intervínhamos diretamente. Quer dizer que tínhamos a exclusividade sobre todos os trabalhos em monumentos históricos tombados em uma dada região. Em uma circunscrição. Mas eu sou um arquiteto liberal. Este é um escritório particular. E eu tinha exclusividade sobre as obras tombadas no Rhône, no Vaucluse, um outro Departamento ao Sul de Lyon, Avignon, conhece Avignon? O Palácio do Papa, o Teatro Antigo de Orange, e depois todos os Monumentos franceses em Roma.

ACG: Não compreendi. O que quer dizer por exclusividade? Todos os monumentos tombados dessa região vão para o senhor ou há outra seleção? Não há uma concorrência?

DR: Então, agora sim, mas antes não.

ACG: E os outros Arquitetos Chefe de Monumentos Históricos?

DR: Não, porque nós fomos designados em uma dada região.

ACG: Ah, entendo.

DR: Somos 45, 48 na França. Há 90 Departamentos e nós temos cada um dois Departamentos.

ACG: É muito particular.

DR: É muito particular. É histórico. Vem do fato de a França, depois da Revolução Francesa, estar em ruína. Era necessário fazer algo. E o Estado Francês decidiu nomear um primeiro Arquiteto Chefe, que era Violet-le-Duc. E Violet-le-Duc disse “mas eu não posso sozinho” e ele criou um grupo de arquitetos para se ocupar exclusivamente de monumentos a reconstruir. Porque os outros arquitetos normais não conheciam nada de técnica antiga.

ACG: Então a cada ano há vagas limitadas?

DR: Sim. Não há concurso há bastante tempo porque agora é aberto à concorrência. Simplesmente é necessário que o arquiteto seja de competência equivalente.

Conclusão:  o Concreto e o Futuro do Convento

ACG: Para concluir. Qual a sua opinião sobre a restauração de obras de arquitetura em concreto aparente? O senhor acha que há diferença em relação aos outros tipos de materiais?

DR: Eu diria que há menos diferença do que se imagina. A filosofia pode ser parecida com a filosofia da conservação e do restauro, a filosofia da restituição. É um pouco a mesma condução. A dificuldade é a mesma. Depende de uma boa compreensão da obra. Qual era a intenção de Le Corbusier, em que estado de espírito ele estava.

ACG: Qual é o futuro para o Convento, nos próximos 50 anos? Em quantos anos será necessário restaurar novamente?

DR: A senhora fala do envelhecimento do edifício?

ACG: Sim.

DR: Eu penso que o problema dos monumentos de Le Corbusier é que – sobretudo o Convento de la Tourette – foram feitos para uma só função. E agora nós mudamos a função. Porque vai ser uma guest-house. E eu penso que essa nova situação terá muito mais consequência sobre o construído do que o envelhecimento natural.

ACG: É um uso adequado?

DR: Não sei, porque há uma coisa que vai ser incômoda. Isolamento muito ruim em todos os quartos. Não era um problema porque eles [os padres] estavam em silêncio. E hoje, se houver uma guest-house, não se dirá aos jovens para ficarem em silêncio. Então, a vida do edifício não será a mesma. Os monges não tomavam banho todos ao mesmo tempo. Agora, com uma guest-house, as canalizações não são feitas para isso. A problemática é que o edifício de Le Corbusier não é flexível. É muito elitista. Não é um monumento com um potencial de reutilização. Um monumento elitista feito para uma só utilização.

ACG: E a questão térmica?

DR: Sim, agora nós pusemos vidros duplos, mas o aquecimento é impossível. Os monges, quando eles têm frio, eles colocam algo suplementar.

ACG: É complicado!

DR: É muito complicado! É talvez a diferença. Muito elitista.

ACG: Nada flexível, afinal.

DR: Nem um pouco flexível.

Fig. 2. Fachada Sul (fonte: Foto da autora, 2009)

Fig. 3. Fachada Oeste (fonte: Foto da autora, 2009)


Notas

[1] Fonte http://www.couventdelatourette.fr/le-batiment/historique.html. Consulta em 07 de Março de 2018.

[2] Carta do padre Couturier a Le Corbusier de 02 de Agosto de 1953 apud GIANNECCHINI, Ana Clara. Le Couvent de Sainte Marie de la Tourette – Identification, Conservation, Valorisation. Cours de Patrimoine Religieux, Prof. Philippe CASTAGNETTI. Exposé Patrimoine religieux en Rhône-Alpes. Erasmus Mundus Master of Cultural Landscapes, Université Jean Monnet. Saint Etienne, janvier 2009.

[3] GIANNECCHINI, Ana Clara. Técnica e estética no concreto armado: um estudo sobre os edifícios do MASP e da FAUUSP. Dissertação de Mestrado. São Paulo: FAUUSP, 2009. 305p.

[4] Para imagens históricas da construção e das obras de restauração ver o http://www.couventdelatourette.fr

[5] Segundo Sérgio Ferro, o desenho dos painéis ondulantes é de Iannis Xenaquis. Ver FERRO, S., KEBBAL C., POTIÉ, P. et SIMMONET, Cy. Le Corbusier, Le Couvent de La Tourette. Marseille: Editions Parenthèses, 1987.


Didier Répellin

Inspetor Geral de Monumentos Históricos, Arquiteto Chefe de Monumentos Históricos, Arquiteto diplomado pela Escola Nacional de Arquitetura de Lyon, Membro do ICOMOS e da Instituição Smithsonian e responsável pelos trabalhos de restauro do Convento de la Tourette (2006-2013).

Ana Clara Giannecchini

Doutoranda da Faculdade de Arquitetura da Universidade de Brasília e Arquiteta do Departamento do Patrimônio Material do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. E-mail: anaclaragia@gmail.com


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