O tombamento das antigas instalações do Colégio Porto Seguro em São Paulo

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| Silvia Ferreira Santos Wolff |

O acervo de bens culturais preservados pelo conselho de preservação cultural do Estado de São Paulo, Condephaat [1], em suas mais de cinco décadas de existência, permite vislumbres sobre as mudanças de perspectiva sobre o que é considerado patrimônio nesse mesmo período. E verificar que o que justifica a valorização e o reconhecimento oficial pelo tombamento tem se modificado ao longo do tempo [2].

Nas primeiras décadas de atuação do Conselho, as justificativas mais usuais para tombamentos apresentavam-se em textos legais sucintos. E a escolha era conduzida por critérios fundamentados sobretudo na história abrigada em uma edificação, e em valores identificados com sua arquitetura. Como o texto legal abaixo relativo ao tombamento de prédio escolar na cidade de Campinas.

[…] Fica tombado como bem cultural de interesse artístico-arquitetônico o edifício da antiga Escola Bento Quirino, atual Colégio Técnico da Unicamp, situado à rua Culto à Ciência, 177 em Campinas.

Trata-se de conjunto arquitetônico de Ramos de Azevedo, arquiteto estilo eclético característico do arquiteto, atendendo a um programa de ensino adaptado à demanda crescente de profissionais do então incipiente desenvolvimento industrial da região [3].

As escolhas, ainda que pautadas por questões relativas às funções desenvolvidas historicamente nos espaços, eram muito fortemente calcadas nas características arquitetônicas e estilísticas dos prédios. Em estabelecimentos agrícolas, por exemplo, quase nunca os sistemas produtivos eram contemplados nos textos apreciativos, quer nas descrições do que estava sendo tombado, quer reconhecendo valor em edifícios vinculados à produção. Era o caso frequente de tombamentos de sedes de fazendas de café. A atividade historicamente desenvolvida nesses bens era incluída vagamente nos textos do tombamento, mas as descrições enfatizavam sobretudo aspectos estilísticos e plásticos.

É o caso, por exemplo, do tombamento da Fazenda de Café Morro Azul, no qual a tulha, o terreiro de secagem dos grãos ou as habitações de funcionários não são mencionados.

Fica tombado como documento histórico e arquitetônico o solar Fazenda Morro Azul. A área envoltória, bem como as instalações, móveis e peças decorativas de uso doméstico, relíquias históricas e artísticas existentes na citada propriedade rural [4].

O tombamento isolado de edificações notáveis, desvinculadas de seu entorno, ocorria mesmo quando faziam parte de um segmento urbano configurado com muita clareza na paisagem. É o caso do Teatro Pedro II de Ribeirão Preto, parte de um todo arquitetônico e urbanístico claramente definido, composto por três edifícios. Tal unidade era reconhecida na própria denominação relativa ao conjunto: Quarteirão Paulista. Ora, o tombamento inicialmente restringiu-se apenas ao prédio do Teatro, o central da composição [5]. Somente anos mais tarde, os outros dois prédios foram reconhecidos como parte de um mesmo fato paisagístico. E legalmente mencionados no texto revisto do tombamento. Ocasião em que, inovadoramente, foi incluída também a praça pública fronteiriça. [6]

Lentamente foi se delineando a perspectiva de contemplar conjuntos de bens nos tombamentos. Os critérios de valoração e textos justificativos buscam aos poucos abarcar aspectos de cada arquitetura, mas também sua inserção na paisagem e as relações que cada bem estabelece com as funções que historicamente abrigou.

Portanto, não apenas a valorização de edificações isoladas, mas também do ambiente formado pelos demais prédios à sua volta. O entendimento dos bens culturais como séries, parte de um sistema funcional, também foi sendo progressivamente aplicado em alguns estudos.

Foi este o critério de estudo pioneiro, de identificação e seleção de série de escolas públicas paulistas que gerou o tombamento de mais de 130 estabelecimentos escolares pelo Condephaat [7]. Ou ainda, mais tarde, o de reconhecimento de conjuntos de instalações ferroviárias. Os estudos recentes de bens ligados a ferrovias e às linhas originais não se restringem às antigas estações de passageiros. Linhas ferroviárias, escritórios, galpões de armazenamento, oficinas, residências e caixas d´água vem sendo incluídos nos tombamentos

Assim, seja por suas conexões com o ambiente ou com a natureza de suas funções, os bens culturais selecionados vêm passando a ser escolhidos a partir de nexos que se afirmam mais explicitamente nas definições e resoluções legais.

O caso do Colégio Porto Seguro

A leitura do processo de tombamento do Colégio Visconde de Porto Seguro em São Paulo nos mostra como o entendimento sobre a relação do bem valorizado e o ambiente urbano, sobre a arquitetura eclética e sobre conjuntos urbanos mudou nesses quase quarenta anos que separam a abertura do processo de tombamento do momento atual.

O pedido de tombamento da antiga escola iniciou-se em reação à intenção do proprietário, Colégio Visconde de Porto Seguro, de demolição da edificação para construção de um prédio de escritórios para obter renda. De diferentes formas, a sociedade e o Estado disseram não a essa ideia.

No mesmo período lutava-se pela preservação do prédio da antiga escola pública Caetano de Campos na Praça da República. Episódio emblemático e fortalecedor da atuação do Condephaat a partir de meados dos anos 1970 [8]. Ainda poderá ser aprofundado o estudo sobre como se deu a aquisição dos bens imóveis do Colégio Porto Seguro na Praça Roosevelt pelo Governo do Estado. Em parte, para evitar a demolição, em parte para acomodar parcela dos alunos da Caetano de Campos, cujo prédio, afinal, também não demolido, passou a abrigar uma Secretaria de Governo.

O conjunto escolar, adquirido pelo Estado, com terreno com ampla frente para a área pública, continha, além do edifício principal, áreas livres, edícula, um prédio dotado de quadra esportiva coberta e teatro equipado com palco, plateia e camarins. E ainda, uma refinada construção residencial do início do século XX.

O tombamento da sede do Colégio Porto Seguro, antigo Deutsche Schule, assim se apresentava:

Projetado pelo arquiteto alemão Augusto Fried, em 1910, o edifício, construído em alvenaria de tijolos, sede da antiga Escola Alemã Deutsche Schule, foi inaugurado em 1913, graças aos fundos obtidos de membros da colônia alemã e da venda do antigo prédio. Possui dois pavimentos mais porão e conserva ainda as suas características originais. [9]

O tombamento se fez com ênfase na construção principal e sem atentar para o variado e rico conjunto de edificações que tinham abrigado o funcionamento da escola alemã por décadas. Sequer se relacionando com o espaço público da Praça Roosevelt, em frente, que, de resto, também padeceu várias décadas sem tratamento urbanístico.

Há que se ressaltar que o tombamento do Colégio Porto Seguro foi uma decisão feita por um jovem Condephaat, quando o conselho ainda delineava os parâmetros de escolhas que, de todo modo, ainda estão em constante transformação.

Na década de 1970, por exemplo, a valorização de bens de arquitetura eclética era muito pouco usual. Na maioria das vezes a justificativa de tombamento de bens com esse tipo de manifestação arquitetônica era feita baseada no valor memorial e histórico das atividades ali desenvolvidas. E apologeticamente “a despeito de seu pouco valor arquitetônico”, como se dizia.

De modo geral as manifestações ecléticas ainda eram pouco estudadas nesse momento, inclusive internacionalmente. E eram (des)qualificadas com generalizações preconceituosas. Necessário lembrar que ainda se vivia a hegemonia da arquitetura moderna e do estilo internacional, cuja afirmação vitoriosa havia sido penosamente conquistada em oposição à arquitetura acadêmica e ao que se classificava como exageros ecléticos ignorantes.

Motivo pelo qual mesmo o prédio principal do Colégio Porto Seguro não foi bem caracterizado no tombamento ou consensualmente reconhecido como patrimônio de interesse estadual, logo no início dos estudos.

Em muitas circunstâncias, o que deve ser preservado acaba por impor-se ao poder público por diferentes maneiras, não apenas pelo tombamento.

No caso do Colégio Visconde de Porto Seguro, além do tombamento do prédio principal pelo Condephaat que acabou por acontecer, houve a referida aquisição pelo Estado de todos os lotes e benfeitorias daquela instituição, que passaram a ser propriedade da Secretaria da Educação (Fig. 1 e 2).

Tal operação não foi, contudo, suficiente para que a valorização e os cuidados de preservação se estendessem a todas as edificações. Tampouco garantiu pleno uso das instalações para o ensino público (Fig. 1).

Fig. 1. Relação entre os bens tombados e outras construções ligadas à história da escola alemã Visconde Porto Seguro. Os imóveis assinalados são todos de propriedade do Governo Estadual e foram adquiridos do Colégio Porto Seguro, na década de 1970. Maquete, 2013 (fonte: Acervo Escritório Apiacás).

Fig. 2. Vista aérea do Colégio Porto Seguro em que se vê o prédio principal, com os fundos voltado para o pátio, anexos e, à esquerda, residência que era utilizada pela escola, 1939 (fonte: Foto E. Schumann. Acervo Centro de Memória do Colégio Visconde de Porto Seguro).

Valores individuais das edificações que compõem o conjunto do antigo colégio

Nos anos 2010, pelos critérios de reconhecimento que vinham se construindo entre os técnicos do Condephaat, os tombamentos buscavam ampliar a compreensão e valoração de bens isolados. Passava-se a considerar conjuntos ainda pela apreciação das edificações por suas características arquitetônicas, por suas funções historicamente configuradas e pela relação que estabeleciam com as paisagens em que se localizavam.

Nesse momento, as demais edificações do antigo Colégio Porto Seguro, afinal, chamaram a atenção. Havia valores a serem enfatizados nas demais construções às quais não haviam sido percebidas na ocasião do tombamento original. E, também, a tentativa de compreensão das conexões daquele grande conjunto com o centro da cidade. Sendo que a Praça Roosevelt, fronteira, passava por investimentos públicos de remodelação e vinha também sendo o endereço de iniciativas privadas que traziam animação urbana à área. Ocorriam ainda nas imediações a renovação do Teatro Cultura Artística, obras para a instalação do Museu Judaico e representações de grupos de vanguarda teatral em espaços adaptados.

A revisão do tombamento da antiga Escola Alemã caracteriza-se, assim, como uma proposta de ajuste da preservação que incide sobre a instituição e sobre sua estrutura física. Além da construção principal e da casa de zelador que faziam parte do tombamento original, foi tecnicamente sugerida uma ampliação com detalhamento das especificações e caracterização dos elementos do conjunto. Foi proposto que se atribuísse reconhecimento a edificações que contribuíram para o funcionamento e para criar o ambiente institucional e urbano da antiga escola, de relevante participação na história da educação paulista.

Foram duas as construções do conjunto escolar do colégio Porto Seguro salientadas na nova apreciação. Em meados da década de 2010 eram construções que se deterioravam, pois permaneciam sem função e cuidados de conservação, quase desde sua posse pelo Governo do Estado mais de trinta anos antes.

A saber, o prédio das antigas instalações do ginásio coberto e do salão nobre da escola alemã (Fig. 5), conectado ao conjunto pelo pátio, mas também com frente para a rua Gravataí, 59 e os remanescentes de antiga residência de 1913 (Fig. 10, 11 e 12). Casa adquirida pelo colégio em 1929, abrigou diferentes funções: residência de professores, curso de admissão ao ginásio, escola infantil ou imóvel alugado para renda (Fig. 3 e 4).

Fig. 3. Representação da escola e da residência anexa. Base cartográfica: mapeamento SARA Brasil, 1930 (fonte: Portal Geosampa da PMSP).

Fig. 4. Representação da escola, da casa vizinha e do salão de ginástica. Base cartográfica: mapeamento VASP Cruzeiro, 1954. (fonte: Portal Geosampa da PMSP).

As pesquisas até o momento foram infrutíferas em localizar a autoria do prédio de dois pavimentos da Sala de Ginástica e Salão Nobre. Mas se verificou que foi inicialmente construção de um pavimento, destinada aos esportes. Em 1922, sua aparência tinha a mesma linguagem do prédio principal. Foi constatada a existência de alguns projetos para reforma, sendo afinal acrescido em mais um pavimento em linguagem racional e modernista nos anos 1950. O segundo pavimento destinou-se a um salão nobre do colégio com palco e assentos fixos de madeira.

Em 2014, este prédio, bem construído, encontrava-se íntegro, porém, sem uso ou conservação. Caracteriza-se por detalhes sóbrios como amplos panos de iluminação envidraçados, pisos de granilite e tacos de madeira. Elementos característicos de arquitetura de meados do século XX (Fig. 5 a 9).  Nos anos 2010, nenhuma atenção havia sido dada à residência, tampouco. Seus remanescentes estavam e permanecem muito arruinados.

Fig. 5. O edifício azul claro, à direita, corresponde à fachada do prédio do ginásio e auditório, voltada para a rua Gravataí. Além de detalhes internos, conserva-se intacta a fachada com atributos do modernismo pragmático dos anos 1950, dez. 2014 (fonte: foto da autora).

Fig. 6. Pavimento térreo – salão de ginástica, dez. 2014 (fonte: foto da autora).

Fig. 7. Primeiro pavimento – auditório, vista do palco, dez. 2014 (fonte: foto da autora).

Fig. 8. Escada de piso de granilite, dez. 2014 (fonte: foto da autora).

Fig. 9. Iluminação da caixa de escada. Detalhe de guarda-corpo e corrimãos de ferro torcido, dez. 2014 (fonte: foto da autora).

A casa, situada em lote contíguo ao da fachada principal da escola, na rua João Guimarães Rosa, 129, tem projeto de 1910, de autoria do arquiteto Giulio Michelli (Fig. 13). Nessa data, era arquiteto bem estabelecido e com significativa produção na cidade. Nesse ano, por exemplo, esteve à frente do projeto de implantação do Viaduto Santa Ifigênia, ponte metálica pré-fabricada que transpôs o vale do Anhangabaú. Também são de sua lavra a Igreja de Santa Cecília e o antigo Banco Francês, na rua XV de Novembro. Além dessas, por ocasião da revisão proposta para o tombamento do Colégio Porto Seguro, tanto a Santa Casa, como a Casa da Cúria da Avenida Higienópolis, também projetos desse arquiteto, já eram tombados.

Fig. 10. Fachada da residência nas primeiras décadas do século XX, 1929 (fonte: Photographia Carlos Niederecker. Acervo: Centro de Memória do Colégio Visconde de Porto Seguro).

Fig. 11. Reprodução de fachada do projeto original de Augusto Fried, 1910 (fonte: Acervo Condephaat).

Fig. 12. Reprodução de planta do projeto original de Augusto Fried, 1910 (fonte: Acervo Condephaat).

Fig. 13. Vista geral do prédio escolar e parcial da residência, s/ data (fonte: Centro de Memória do Colégio Visconde de Porto Seguro).

Residência urbana média do início do século XX com acesso pela lateral direita, um pavimento assentado sobre soalho de madeira afastado do contato com o solo por meio de porão utilizável, a construção implantava-se afastada dos limites do lote. Tinha quintal ao fundo e jardim frontal, separado da rua por mureta e gradil. O telhado ficava oculto por platibanda. Todos esses atributos denotam requinte, expresso também pela ornamentação na massa de revestimento, bem como em elementos de ferro desenhados. A composição da fachada de base clássica, com uma janela central mais trabalhada e duas gêmeas, tem sua simetria rompida pelo tratamento do ângulo da esquina com um pórtico aberto que confere leveza à composição. Internamente contava ainda com pinturas parietais decorativas (Fig. 10, 11 e 12).

Por ocasião da revisão estava arruinada, sem cobertura ou assoalho, exposta ao tempo, invadida por mato e ratos. A despeito dessas condições, avaliou-se que deveria ser tombada e que se estudassem como melhor recuperá-la.

A revisão do tombamento

O fato é que, consequência da argumentação aqui exposta, fruto do amadurecimento conceitual, técnico e institucional do Condephaat, afinal, em 2022, o conselho publica uma resolução relativa ao Colégio Porto Seguro da qual constam os seguintes termos 

CONSIDERANDO a relevância do Conjunto Arquitetônico do Antigo Colégio Visconde de Porto Seguro, antiga Deutsche Schüle, no âmbito do provimento de educação privada em São Paulo, particularmente, da contribuição da cultura alemã, a presença importante na paisagem do Conjunto Arquitetônico no contexto urbano da Praça Roosevelt, e a singularidade do edifício do Ginásio e Auditório, parte do Conjunto Arquitetônico do antigo Colégio Visconde de Porto Seguro, sito à Rua Gravataí, 59;

CONSIDERANDO a representatividade da arquitetura do prédio escolar do antigo Colégio Visconde de Porto Seguro desenvolvida pelo arquiteto Augusto Fried, em 1910, como expressão da organização do espaço para o ensino e da imponência de sua presença no espaço urbano dada por sua implantação elevada em relação à rua e por sua opção estilística caracterizada, sobretudo, pelo tratamento formal dos frontões vinculadas a motivos do barroco flamengo;

CONSIDERANDO o papel que a edificação à Rua João Guimarães Rosa, 129, parte do Conjunto Arquitetônico do antigo Colégio Visconde de Porto Seguro projetada pelo arquiteto Giulio Micheli, passa a assumir como exemplar de uma tipologia típica paulistana e que complementa a série de residências burguesas das duas primeiras décadas do século XX já tombadas;

RESOLVE: Artigo 1º. Fica tombado como bem cultural de interesse histórico, arquitetônico, artístico, turístico e ambiental o aqui designado Conjunto Arquitetônico do antigo Colégio Visconde de Porto Seguro, situado na Rua João Guimarães Rosa, 111 e 129 e Rua Gravataí, 59 (SQL 006.011.0042-5 e 006.011.0048-4). [10]

O prédio principal do Antigo Colégio Visconde de Porto Seguro – obra de Augusto Fried, cujas dimensões, cuidado formal e disposição funcional o inserem na série de prédios escolares privados da virada do século XIX para XX –, está hoje preservado oficialmente na cidade de São Paulo, como os do Colégio Sion, do Mackenzie; além de tantos outros destruídos, como o do Colégio Des Oiseaux e Colégio São Luis. Outros há que ainda sobrevivem, mas sem proteção legal. Desta relação, mesmo os que foram tombados poderiam passar por processos de reavaliação. Muito ainda há a ser feito.

De todo modo, o texto legal acima adequa-se a ampliações conceituais que vem embasando escolhas e indicações técnicas para subsidiar as decisões para tombamento pelo Condephaat. São fruto do aprimoramento promovido pelo Grupo de Estudos e Inventário da Unidade de Preservação do Patrimônio Histórico da Secretaria de Estado da Cultura. O conteúdo é também mais explícito em seus propósitos e na caracterização daquilo que está sendo preservado. Espera-se que, assim, o significado do tombamento comunique-se melhor com o público em geral, divulgando os sentidos do que se escolhe para permanecer como suporte da memória paulista.

Perspectivas de preservação

Antes mesmo da conclusão oficial da revisão proposta, que levou uma década para efetivar-se, providências foram tomadas com relação ao alto grau de degradação da construção residencial. Ao contrário do que desejou o governo na década de 2010 – demolir a casa em mau estado [11] –, a casa foi tombada. O status legal de revisão do tombamento para incluí-la, que se encontrava em análise para deliberação final, teve por consequência não apenas impedir a demolição, como impor cuidados com objetivo de interromper sua degradação física. Foi feito escoramento de paredes desestabilizadas e foi contratado projeto de recuperação física da edificação. Pequenos passos que se espera resultem em curto prazo em obras efetivas que culminem na recuperação e uso do bem cultural.

O que dizer, ainda, sobre uma quadra esportiva e de um espaço teatral públicos fechados?

Como aceitar que permaneça vazio e se deteriorando um espaço teatral quando, há menos de cem metros, grupos de vanguarda negociam sofridamente aluguéis, clamam por apoio oficial a seu trabalho e por espaços para suas performances? Nesse meio tempo, resultado de grande campanha de reivindicações populares, houve a criação de um parque público nas imediações, o Parque Augusta, no terreno de outra antiga escola particular demolida, o colégio feminino Des Oiseaux.

A concentração de equipamentos culturais e públicos na região parece indicar um caminho. A expectativa é de que dispositivos legais mais claramente definidos e caracterizados, como o do caso relatado de revisão do tombamento das instalações do Colégio Porto Seguro, possam também contribuir para reescrever práticas de preservação de um modo mais amplo; para políticas públicas mais abrangentes sobre espaços tombados ou não e sua relação com a memória e a cidade. Novas visões resultando em práticas integradas por diferentes agentes e esferas políticas revisando o papel de isolamento e excepcionalidade que ditavam as primeiras escolhas dos tombamentos pelo Condephaat.

E que novas ações ajudem a redefinir o ilusório papel dos tombamentos como últimos bastiões capazes de salvaguardar o legado de outras gerações. Que seja do tombamento retirada a imagem que a ele é associada e atribuída de exclusivo redentor e guardião da memória coletiva. E que essa responsabilidade seja compartilhada por diferentes atores a ponto de não mais permitir que prédios públicos no coração de uma metrópole definhem a vista de todos.


Notas

[1] Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arquitetônico, Arqueológico e Turístico do Estado de São Paulo. Site:  http://condephaat.sp.gov.br

[2] SÃO PAULO (Estado). Base de dados Condephaat. Pesquisa online de bens tombados. Disponível em:  http://condephaat.sp.gov.br/bens-protegidos-online/ . Acesso em: 02/02/2024. Nesta base de dados é possível consultar informações sobre os bens tombados citados neste artigo, bem como suas respectivas resoluções.

[3] SÃO PAULO (Estado). Condephaat. Resolução 30 de 29/10/1984.

[4] Idem. Resolução de 08/01/1974.

[5] Idem. Resolução 32 de 07/05/1982.

[6] Idem. Resolução 26 de 15/12/1993.

[7] Idem. Processo n. 24929/86, relativo ao tombamento de 121 escolas públicas paulistas. Resolução 60 de 21/07/2010. Ver também:  WOLFF, S. F. S. Escolas para a República. São Paulo: Edusp, 2010; WOLFF, S. F. S. A preservação de prédios de escolas públicas. Arquitextos, São Paulo, ano 21, n. 243.00, 2020. Disponível em: https://vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/21.243/7831 . Acesso em: 15/03/2023.

[8] SÃO PAULO (Estado). Condephaat. Processo n. 00610/75, relativo ao tombamento da antiga Escola Normal Caetano de Campos.  Resolução de 03/06/1976.

[9] Idem. Processo n. 20063/76, relativo ao tombamento do antigo Colégio Visconde Porto Seguro. Resolução 03 de 08/05/1979 e Resolução 15 de 27/05/1980.

[10] Idem. Resolução SC 15 de 24/02/2022.

[11] Idem. Parecer UPPH/GEI 44/2015, P.73118/2014.


Silvia Ferreira Santos Wolff. Docente e pesquisadora da Universidade Presbiteriana Mackenzie. Mestre e doutora em Arquitetura e Urbanismo pela FAU-USP. Arquiteta aposentada da Unidade de Preservação do Patrimônio Histórico do Condephaat. Dentre seus trabalhos estão os livros publicados pela EDUSP: “Jardim América” e “Escolas para a República”, e participação em capítulos dos livros: “Arquitetura e Fotografia: usos e funções” e “Patrimônio construído da USP: preservação, gestão e memória”. E-mail: silvia.wolff@mackenzie.br; silvia.upph@gmail.com


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