I Eduardo Bacani Ribeiro I
Esta reflexão tem por objetivo discorrer a respeito das “estações de água”, edificações que, em um dado momento, foram imprescindíveis para a tecnologia empregada na operação do sistema ferroviário. A partir de documentos, imagens captadas em levantamentos realizados em pesquisas anteriores, que observaram a Estrada de Ferro Araraquara (EFA), e referenciais bibliográficos, são indicadas características funcionais e materiais referentes a essa tipologia que, ao longo dos anos, foi tão pouco – ou quase nada – explorada na dimensão acadêmica.
Ao longo dos anos, diversos estudos têm evidenciado o processo de desenvolvimento e determinadas características do sistema ferroviário paulista que passou a se configurar a partir da década de 1860[1]. No que diz respeito às edificações que atenderam a esse meio de transporte, algumas delas – em virtude de uma maior erudição em sua arquitetura ou de terem apresentado um maior contato social – têm sido bastante enfatizadas nas pesquisas, em detrimento de outras mais modestas, que ainda carecem de estudos específicos[2].
Um exemplo das edificações ferroviárias à margem das discussões acadêmicas são as torres de água, que, geralmente, eram edificadas em alvenaria tijolos e coroadas por reservatórios metálicos, um conjunto que, elaborado a partir de demandas técnicas e operacionais, passou a ser chamado de “estação de água”. Ainda hoje, tais construções são elementos parcamente esclarecidos, o que pode impactar, inclusive, em sua preservação.
Sendo assim, o objetivo desta reflexão é, a partir de documentos, imagens e referências bibliográficas, levantar alguns aspectos materiais e funcionais referentes às “estações de água” que sejam capazes de demonstrar a participação e a relevância que elas, em dado período, apresentaram na operação do complexo ferroviário. Não se espera nesse sentido esgotar um tema tão amplo e de natureza multidisciplinar, mas apresentar dados e informações que possam contribuir com o desenvolvimento de pesquisas futuras.
As “estações de água” tiveram grande relevância no sistema ferroviário no momento em que as locomotivas eram propulsionadas por um motor a vapor, ou seja, para a maioria das ferrovias nacionais, até meados do século XX. Sendo assim, para se compreender o papel e a relevância que tais edificações tiveram no complexo ferroviário é preciso pontuar questões pertinentes ao funcionamento dessas máquinas, como se buscará realizar a seguir.
Entre as locomotivas a vapor empregadas nas vias férreas brasileiras, destacaram-se as produzidas pela fabricante norte-americana Baldwin Locomotive Works, de modo que, no início da década de 1890, raríssima era uma ferrovia no Brasil que não possuísse locomotivas provenientes de tal empresa (PICANÇO, 1891)[3]. De acordo com Picanço (1891), um dos pioneiros no país a investigar, organizar e publicar questões referentes às linhas férreas, a primeira remessa de locomotivas Baldwin recebida em território nacional foi enviada à Estrada de Ferro D. Pedro II, em 1863.
Geralmente, as locomotivas a vapor eram compostas por duas partes: a máquina a vapor, que se localizava na parte frontal, convertendo vapor em energia mecânica, e o tênder, veículo posterior que armazenava combustível e a água, no qual se localizava a caldeira e a fornalha. O esquema a seguir procura ilustrar (Fig. 2), de modo sucinto, a operação que ocorria nesses compartimentos, a qual tinha por objetivo converter energia térmica em movimento:
Em suma, o combustível era introduzido na fornalha e a água na caldeira. Assim, como pode ser acompanhado por meio do trajeto realizado pelas setas presentes na ilustração, a queima do combustível produzia gases quentes que, ao passarem pelos tubos, transferiam calor para a água dentro da caldeira, convertendo uma parte dela em vapor, que gerava uma pressão que era transferida, quando solicitada, às válvulas direcionais e, posteriormente, aos cilindros. Segundo Picanço (1891),
A caldeira deve conter a maior quantidade possivel de agua, evitando-se, porém, que esta se projecte com o vapor no cylindro. O machinista deve saber que: 1°, A quantidade de vapor produzida é tanto maior, quanto mais alto fôr o nivel d’agua. 2°, Quando se alimenta a caldeira, ou se refaz o fogo, as diminuições de pressão do vapor são menos sensiveis. 3º, A agua contida na caldeira é uma reserva de força motriz para casos de difficuldade imprevistos (PICANÇO, 1891, p. 43).
Com relação ao combustível, Picanço (1891) indica que nas locomotivas, de modo geral, um quilograma de carvão de pedra vaporizava de quatro a nove quilogramas de água. Entretanto, nem todas as companhias utilizavam o carvão em suas locomotivas. No caso da EFA, como informa o relatório anual apresentado aos seus acionistas em 1901, referente ao ano de 1900[4], a empresa possuía, naquela ocasião, três locomotivas a vapor, e utilizava como combustível e lubrificantes: lenha, azeite, graxa e estopa (EFA, 1901); ou seja, um material mais econômico.
Segundo Picanço (1891), a lenha, comparada ao carvão, produzia bem menos calorias em seu processo de combustão. De acordo com o engenheiro, enquanto o carvão de pedra[5] produzia entre 7.200 e 8.600 calorias e o carvão de lenha 8.000 calorias, a lenha dessecada pelo calor produzia 4.000 e a lenha seca (com 25% a 30% de água) apenas 2.800 a 3.000 calorias em sua combustão completa.
Em vista disso, embora fosse um material mais econômico e de fácil acesso que o carvão de pedra, em território nacional, ao adotar o uso da lenha em locomotivas era preciso uma quantidade expressiva dessa matéria-prima [6], o que gerou demandas internas e impactos ambientais significativos nos trechos ferroviários operados por algumas companhias.
Com relação à Companhia Paulista, por exemplo, em 1903, a empresa passou a tomar medidas que visavam minimizar os efeitos do desmatamento e atender exigências internas. Assim, teve início o “Programa Florestal da Paulista”, com a instalação, em Jundiaí, de seu primeiro horto; posteriormente, Rio Claro tornou-se a cidade sede desse serviço e a empresa estabeleceu-se como a pioneira na plantação de eucaliptos com fins comerciais e em grande escala (MARTINI, 2004). Ao longo dos anos, tal companhia formou 18 unidades de exploração intensiva de eucalipto (TORREJAIS, 2019).
No caso da Araraquarense, em 1940, o chefe do “Serviço Florestal da EFA” naquela ocasião, Octavio Augusto Teixeira Mendes, na revista de propriedade da empresa, alertou para o problema do desmatamento e as consequências que ele gerava na diminuição do combustível para as locomotivas e, também, na erosão e empobrecimento dos solos. Mendes (1940) destacou que o eucalipto teria resolvido o problema do combustível, mas que as necessidades de uma ferrovia não se reduziam a isso; assim, observou que esperava que a EFA, que estava iniciando seu serviço florestal, um dia pudesse ostentar florestas de eucaliptos permeadas com maciços de anjico, peroba, faveiro, orindiúva, pau-ferro, guaraiúva, cabreúva, guarantan ou guaritá (MENDES, 1940)[7].
Além das locomotivas não serem projetadas para o uso da lenha, o desmatamento das matas próximas às linhas férreas encarecia esse material e inviabilizava uma opção de longo prazo, mesmo com a realização do replantio (PIRES, 2018). Como pôde-se observar a partir das colocações de Mendes (1940), a madeira não era requerida apenas para ser utilizada como lenha nas locomotivas, mas, também, por exemplo, como dormente, na execução e reparo de carros, na construção de moradias para ferroviários[8] e, até mesmo, de instalações provisórias, como poderia acontecer, em um primeiro momento, com algumas estações[9].
No entanto, ainda assim, as locomotivas a vapor consumiam cerca de nove vezes mais água do que carvão, o que demonstra a enorme relevância desse líquido em tal sistema tecnológico e a necessidade de um compartimento que pudesse reservá-lo para que ele abastecesse as locomotivas durante as rápidas paradas nas estações (ANDRADE, 2019). Andrade (2019), ao desenvolver um estudo sobre a incursão das torres de água na arquitetura, quando observa a presença desses elementos no sistema ferroviário, pontua que para isso foi preciso contar com um sistema de abastecimento independente da rede pública – quando esta já estava devidamente instalada no local –, visando evitar interrupções nas atividades em decorrência de falha no fornecimento do material.
Dessa forma, de acordo com Andrade (2019), a criação do conjunto formado por um reservatório de água sobre uma espécie de torre, devidamente posicionado junto aos trilhos, foi uma solução encontrada para atender exigências técnicas e funcionais presentes no sistema ferroviário. Ou seja, a “estação de água” foi o instrumento utilizado com o intuito de satisfazer necessidades operacionais: facilitando a retirada da água, garantindo a sua independência com relação às outras áreas do complexo e, nesse sentido, permitindo sua estabilidade no atendimento de demandas diárias referentes às locomotivas. Em vista disso, portanto, a “estação de água” estava vinculada aos pontos de parada das locomotivas, isto é, geralmente, às estações.
Assim, os primeiros reservatórios de água das ferrovias surgiram no início do século XIX, na Inglaterra, posto que, em 1830, já eram transportados pelos trilhos cargas e passageiros. Essas construções eram simples, retangulares, de ferro fundido com fundo plano e apoiados em uma subestrutura de alvenaria de pedra ou tijolo (ANDRADE, 2019), similares aos exemplares apresentados a seguir:
Tal estrutura contava ainda com o auxílio de uma peça fundamental no abastecimento das máquinas, as “gruas hidráulicas”, que empregavam tubulações de grande diâmetro (cerca de 200 mm), realizando, assim, o abastecimento das locomotivas com a água oriunda dos reservatórios (ANDRADE, 2019)[10], como pode ser observado na imagem a seguir:
Embora, nos dias de hoje, sejam difíceis de serem encontradas no interior paulista (se é que ainda existe algum exemplar desse tipo nesse território), alguns trechos ferroviários italianos ainda preservam a presença das referidas “gruas hidráulicas”, como é o caso de L’Aquila, exemplo que pode ser observado nas imagens a seguir:
Fig. 7. “Grua hidráulica” presente na estação ferroviária de L’Aquila, Itália (fonte: foto do autor, 2022).
As duas “gruas hidráulicas” encontradas, apesar de serem muito similares, foram produzidas em épocas e locais distintos. Enquanto a primeira, mais bem conservada, é originária de Firenze e foi produzida em 1919; a segunda é oriunda de Bologna e foi produzida em 1925, como constam nas inscrições presentes nas referidas peças:
Infelizmente, em L’Aquila, apesar das “gruas hidráulicas” terem sido preservadas, o que é louvável, posto a raridade de se encontrar esses elementos mesmo no território italiano, não é possível observar mais a antiga “estação de água” à qual elas estavam conectadas, o que demonstra uma preservação seletiva que gera, na atualidade, problemas relacionados à leitura desse conjunto ferroviário. No “Museo del Ferrocarril”, em Madrid, foi possível localizar um registro fotográfico antigo no qual pode-se observar uma “grua hidráulica” abastecendo uma locomotiva a vapor:
Na imagem em questão, é possível ler a informação de que, no exemplo espanhol, as “aguadas”, estavam localizadas no final das plataformas ou no depósito das locomotivas. Foi exatamente nesses pontos – final da plataforma e próximo a um depósito – que as “gruas hidráulicas” de L’Aquila foram encontradas, assinalando, assim, que essas localizações, por uma questão funcional, poderiam ser recorrentes em diferentes complexos ferroviários.
Ghirardello (2002), tomando como referência a Noroeste do Brasil, levanta um ponto importante que atuava na implantação das torres de água no complexo e, nesse sentido, refletia no próprio traçado ferroviário. Segundo o autor, o fato de os reservatórios necessitarem de uma fonte fornecedora do líquido influenciou no trajeto da linha, posto que alguns engenheiros, não por acaso, recomendavam áreas que estivessem próximas a afluentes, estreitando a relação entre o leito ferroviário e os cursos d’água. Assim, Ghirardello observa que:
É mais um aspecto importante que mostra a necessidade de a CEFNOB acompanhar a meia-encosta dos cursos d’água, afluentes do Tietê ou Aguapeí/Feio. Teria com facilidade o fornecimento de água, vital a seu funcionamento (GHIRARDELLO, 2002, p. 53).
De acordo com Picanço (1891), a quantidade de água que enchia um reservatório deveria ser fornecida em 12 horas, para que não houvesse trabalho das bombas durante a noite, pois essas, segundo o autor, no início da década de 1890, eram movidas a braço de homem, a vapor ou por meio de moinhos de vento. Sendo assim, como manifestaram-se essas edificações ferroviárias no interior paulista? Que registros ainda guardam os locais em que foram edificadas? Buscando responder questionamentos desse tipo, a seguir, será observado o exemplo da Estrada de Ferro Araraquara (EFA).
Em foco: a Araraquarense
Tomando como referência a EFA, em 1909, quando ela elaborou projetos tipos para diferentes estações no prolongamento de seus trilhos até São José do Rio Preto, a empresa também definiu um projeto tipo para a construção de suas “estações de água”[11], como pode ser observado na imagem seguinte:
O projeto tipo proposto, de autoria do engenheiro alemão Carlos Schmitt[12], era simples, mas expressava certo apuro com relação à linguagem, posto que é possível observar que se trata de uma subestrutura com traços classicizantes, de formato retangular, edificada em alvenaria de tijolos com robustez para suportar o reservatório metálico com a capacidade para 9 m³ (9 mil litros) de água[13]. O acesso ao interior da torre se dava por meio de uma abertura, que havia em uma de suas laterais. Por intermédio da projeção da locomotiva presente no desenho é possível observar que ela, em um nível mais elevado, estacionava, estrategicamente, bem ao lado da “estação de água”, facilitando o seu abastecimento.
No decorrer temporal, é possível encontrar outros exemplares desse tipo produzidos pela EFA. Na “Revista da EFA”, publicada em maio de 1939, a publicação menciona ações de melhoramento no serviço de água para o abastecimento das locomotivas na estação de Silvânia[14]. Assim, com os mananciais de possível aproveitamento distantes da referida estação, a solução mais econômica encontrada pela Araraquarense foi a construção de um poço artesiano, fundamental para garantir a boa operacionalidade da empresa (REVISTA DA EFA, 1939).
O reservatório de concreto armado, construído naquela ocasião na estação de Silvânia, apresentava uma capacidade de 142 mil litros de água e estava diretamente ligado ao poço, resolvendo, assim, os problemas da empresa (REVISTA DA EFA, 1939). Na atualidade, ao percorrer o trecho que pertenceu à EFA[15], é possível encontrar o aludido reservatório e, também, outras “estações de água” que, ao longo dos anos, assumiram configurações diversas, apresentando portes, formatos, materiais e linguagens variadas. Dessa forma, os exemplares já encontrados foram reunidos no quadro a seguir (Fig.12)[16]:
Algumas dessas “estações de água”, em certos aspectos, assemelham-se ao projeto tipo de 1909 elaborado pela EFA ou, até mesmo, aos primeiros exemplares elaborados na Inglaterra, considerando que elas, da mesma forma, guardam simplicidade em suas feições e associam técnicas construtivas e materiais diferentes no que se refere à torre e ao reservatório. Outras, por sua semelhança e por conter a data em que foram construídas, demonstram que, possivelmente, na década de 1930, a Araraquarense apresentava outro projeto tipo para essa tipologia. Em alguns exemplos, é possível observar ainda os indicadores do nível de água nos reservatórios, como ocorre em Cosmorama.
Também é preciso destacar que, em Engenheiro Balduíno, onde a torre de água é muito semelhante à de Cosmorama, há a ausência do reservatório metálico sobre essa estrutura e a alvenaria de tijolos aparentes já apresenta danos significativos, sinalizando para um possível encaminhamento para a condição de ruína. Nos demais exemplares, ainda que demonstrem a boa resistência de suas construções ao longo dos anos, é evidente que carecem de manutenção, com exceção de Catanduva e Uchoa. O quadro a seguir faz um comparativo entre as referidas “estações de água” e suas respectivas estações ferroviárias (Fig.13)[17]:
O comparativo demonstra que algumas dessas diferentes edificações têm sofrido um processo similar de degradação ao longo dos anos, mas, também, evidencia certas distinções na forma como as “estações de água” têm sido tratadas em determinados casos de intervenção, com relação às estações ferroviárias. Por exemplo, enquanto em Catanduva a “estação de água” recebe um tratamento próximo ao dado à estação ferroviária, que está em ótimo estado de conservação, o mesmo não ocorre em Araraquara. A seguir, o comparativo entre registros fotográficos da estação ferroviária e da “estação de água” araraquarense, realizados em 2017, 2019 e 2022, demonstra com maiores detalhes o quanto a condição conservativa em torno desses dois elementos é diversa (Fig.14):
Ao longo de cinco anos, enquanto a estação ferroviária de Araraquara manteve um bom estado de conservação, fruto de uma manutenção periódica, o mesmo não ocorreu com a “estação de água” que nesse ínterim viu sua condição material, que já apresentava sinais de degrado, não sofrer melhorias e, em certo sentido, se agravar[18]. Em Uchoa, após uma reforma em algumas edificações ferroviárias entre os anos de 2021 e 2022, também é possível notar certa distinção no tratamento dado à estação ferroviária e à “estação de água”, como mostra o quadro a seguir, que apresenta um comparativo antes e depois da mencionada intervenção (Fig.15):
Embora seja louvável a recuperação de algumas edificações ferroviárias presentes em Uchoa, é possível observar que, por meio das novas cores aplicadas nas diferentes tipologias, a ideia de conjunto foi violada entre os anos de 2019 e 2022, uma vez que, após a intervenção, a “estação de água” passou a contrastar significativamente com o armazém e a estação ferroviária. Esse não é um mero detalhe de teor estético, mas, também, diz respeito ao apagamento de uma característica de valor histórico se considerado que, para além da quebra imagética da ideia de conjunto, a alteração nas cores dessas edificações também eliminou uma identidade cromática que se consolidou na imagem desses elementos ao longo dos anos. Ou seja, um juízo histórico-crítico, até mesmo no que diz respeito a esse aspecto, é necessário nos processos de intervenção, não somente naquilo que é referente à coloração como também às características químicas das tintas que serão utilizadas (KÜHL, 2018).
Os pontos apresentados demonstram o quanto a preservação nessas áreas tem sido seletiva e evidencia uma possível incompreensão referente às relações de interdependência estabelecidas entre as diferentes edificações que compunham o complexo ferroviário, isto é, intervir nessas áreas demanda uma discussão abrangente, fundamentada em um juízo histórico-crítico que norteie os projetos a serem desenvolvidos – por mais pontuais ou superficiais que eles sejam. A ausência desse olhar, futuramente, poderá promover uma leitura equivocada ou a perda de parte desses conjuntos.
Todas as “estações de água” da EFA apresentadas anteriormente estão localizadas bem próximas aos trilhos e ao lado de estações ferroviárias. O mapa a seguir (Fig.16) procura especializar as edificações encontradas no trecho de aproximadamente 230 km entre as cidades de Araraquara e Cosmorama, noroeste do estado de São Paulo. Ressalta-se que o mapa foi construído com base nas pesquisas de iniciação científica (RIBEIRO, 2019) e mestrado (RIBEIRO, 2020) já desenvolvidas por este autor.
No entanto, é possível que algum outro exemplar desse tipo possa existir no referido trecho, posto que os estudos anteriores não tiveram como foco as “estações de água”, e algumas estações ferroviárias, que deveriam ser registradas durante o trabalho de mestrado, não foram encontradas, como no caso de Jurema (ou Jurupema), ou não puderam ser registradas durante tal investigação, como ocorreu em Dobrada. Portanto, o objetivo aqui não é quantificar precisamente as “estações de água” presentes no trecho Araraquara-Cosmorama, mas oferecer o registro e a localização daquelas que já puderam ser encontradas, possivelmente, a grande maioria.
As “estações de água” do trecho percorrido aparecem em um número bem menos expressivo que as estações ferroviárias, possivelmente, evidenciando que alguns exemplares desse tipo se perderam com o tempo e, também, demonstrando certa lógica que era estabelecida em seus distanciamentos, dado que nem todas as estações ferroviárias apresentavam “estações de água” em suas proximidades. Com base em Picanço (1891), os reservatórios de água das linhas poderiam estar espaçados, no máximo, 30 km, em planície, e 20 km, em montanhas. No caso dos exemplares da EFA, esse raciocínio de distanciamento, em parte, parece fazer sentido.
Por exemplo, tendo como referência um trajeto feito por meio da rodovia nos dias de hoje, a distância entre Engenheiro Balduíno, distrito de Monte Aprazível, e Cosmorama é de cerca de 32 km; e de Catanduva a Uchoa, por volta de 36 km; já entre Araraquara e Silvânia, distrito de Matão, é de pouco mais de 23 km. Infelizmente, acreditando na perda de algumas dessas “estações de água” e na necessidade de um estudo específico sobre esses elementos presentes no trecho apresentado, não é possível realizar uma observação assertiva nesse sentido.
Novos tempos, novas tecnologias
As “estações de água” começaram a perder sua importância no processo tecnológico empregado no sistema ferroviário a partir da introdução da tração elétrica[19], que provocou significativas alterações em diferentes setores do complexo ferroviário. Embora as primeiras experiências da aplicação de eletricidade no tracionamento de locomotivas sejam do século XIX – posto que, em 1879, durante a exposição industrial de Berlim, Werner Von Siemens fez uma demonstração pública da primeira locomotiva elétrica fabricada por ele –, foi apenas no início do século XX que ferrovias de grande porte, de penetração e de transporte de cargas, passaram a adotar esse tipo de tração de modo expressivo ao redor do mundo[20].
Nas primeiras décadas do século XX, os gastos com os combustíveis impactavam de modo considerável no quadro de despesas das principais companhias ferroviárias paulistas e, desde os anos 1920, era notável a dificuldade para a obtenção de lenha, em virtude da ausência de matas na região central do estado com capacidade para um fornecimento significativo (OLIVEIRA, 2012). Tendo em vista o grande potencial hidráulico de seus rios, o país encontrou na eletricidade uma forma de tração financeiramente vantajosa para a operação de suas estradas de ferro naquele contexto.
Em um primeiro momento, essa tecnologia foi empregada em tramways e pequenas vias férreas[21] e, posteriormente, em trechos ferroviários de extensão e movimento significativos (PIRES, 2018). Assim, em 1910, a cidade de São Paulo já contava com bondes elétricos, operados pela Light de São Paulo, que faziam o trajeto do centro ao bairro da Barra Funda, e, em 1922, uma ferrovia de penetração e grande porte foi eletrificada no país, a Paulista[22].
A eletrificação da Paulista advinha de estudos realizados em outros países pelo engenheiro Francisco de Monlevade, Inspetor Geral da Companhia, e tinha como principal objetivo a redução de custos dos combustíveis[23]. Dessa forma, para atender o volume de transporte de cargas e passageiros no referido trecho, realizado anteriormente por 40 locomotivas a vapor, a empresa passou a empregar um total de 12 locomotivas GE, ou seja, os benefícios financeiros com a troca do modelo de tração, para além da redução de custos dos combustíveis, impactavam desde o gasto com o pessoal da condução até a limpeza das máquinas (OLIVEIRA, 2012).
Outras ferrovias paulistas de extensão e movimento consideráveis foram eletrificadas apenas décadas mais tarde. A Sorocabana inaugurou seu primeiro trecho em 1944 e, de 218 km de linhas eletrificadas em 1948, passou a contar com 490 km em 1955, quando a Paulista apresentava 494 km (OLIVEIRA, 2012). Já a antiga SPR[24] eletrificou 87 km de sua estrada em 1950. No entanto, é importante mencionar que, mesmo com a eletrificação de vários trechos ferroviários, em meados do século XX certas companhias paulistas ainda operavam com algumas locomotivas a vapor – ou passaram a aderir ao modelo diesel-elétrica[25] (PIRES, 2018); isto é, até meados do século XX, mesmo com a introdução e dispersão da tração elétrica, as “estações de água” ainda apresentavam relevância na operação de determinados trechos ferroviários no interior do estado de São Paulo. A imagem a seguir, por exemplo, apresenta uma locomotiva a vapor da EFA registrada na estação de Catanduva em 1955:
Conclusão
Esta reflexão acerca das “estações de água” presentes nas ferrovias, além de evidenciar uma carência de estudos específicos acerca dessas construções, permite observar algumas questões referentes a elas e, até mesmo, ao próprio complexo ferroviário. Primeiro, a relevância da locomotiva nesse conjunto, posto que, diante desse elemento, várias demandas precisaram ser satisfeitas ou passaram a ser suscitadas. Depois, que as “estações de água”, com suas torres e reservatórios dimensionados tecnicamente a partir de necessidades operacionais, não apresentaram um caráter secundário, pelo contrário, elas foram, ao longo de muitos anos, peças fundamentais para a efetivação do transporte ferroviário, dado que eram suportes materiais indispensáveis à tecnologia empregada nas locomotivas a vapor.
Dessa forma, nos dias de hoje, as “estações de água” ainda sobreviventes à margem das ferrovias – em alguns casos, sem receber a mesma atenção dada a outras construções do complexo – são vestígios de traços tecnológicos de um determinado período de operação do sistema ferroviário e, nesse sentido, sinalizam para a relação de interdependência que, por meio da água, conectou, na escala local, edificações e máquinas e, na escala regional, diferentes complexos ferroviários de uma mesma companhia. Mais que urgente é a necessidade de se observar essas construções com o valor que elas possuem e a atenção que merecem.
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Notas
[1] Este texto faz parte da tese de doutorado em desenvolvimento na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAU-USP), sob a orientação da Prof.ª Dr.ª Beatriz Mugayar Kühl. Em 2022, a maior parte dele foi apresentada no VII Encontro da Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo (Enanparq) e, posteriormente, publicada nos anais desse evento. Porém, com a evolução da pesquisa, tal produção ganhou novas fontes documentais e registros fotográficos realizados, inclusive, em outros países, o que a tornou mais sólida e abrangente. É, portanto, essa versão ampliada que está sendo publicada aqui.
[2] Um exemplo disso é o que tem acontecido na própria FAU-USP, onde as estações ferroviárias, ao longo de três décadas, foram as edificações mais exploradas pelas pesquisas de pós-graduação, enquanto construções mais modestas, como as torres de água, sequer aparecem nesse quadro de estudos (RIBEIRO e KÜHL, 2022).
[3] A EFA, por exemplo, em 1897, adquiriu seu primeiro material rodante e; entre ele estava uma locomotiva Baldwin (RIBEIRO, 2020).
[4] Tais relatórios eram apresentados, durante esse período (final da década de 1890 e início da década de 1900), no dia 31 de março de cada ano; portanto, abordavam muito mais questões referentes ao ano anterior do que relativas àquele em que eles eram apresentados.
[5] Picanço (1981) não faz referência ao tipo de carvão que ele estava tomando por base. De acordo com Pires (2018), a hulha negra nacional possuía potencial energético menor do que a importada.
[6] Para se ter uma ideia do volume de lenha que passou a ser consumido, Pires (2018), ao tratar da Paulista, indica que “se em 1907 o consumo fora de 287.614 m³ de material, em 1917 essa quantidade subira para 916.356 m³, um aumento superior a 200% em 10 anos” (PIRES, 2018, p. 107), o que, segundo o autor, estava associado à constante expansão da linha. Importante ressaltar esse fator, o encarecimento do combustível, que irá impactar de modo determinante na adoção da tração elétrica.
[7] No referido texto, é possível observar que a EFA já apresentava em seus viveiros, além das mudas de eucaliptos, mudas de diversas outras espécies, entre elas: ipê, jacarandá mimoso e cedro.
[8] Morais (2002) indica que a Paulista empreendeu várias casas mistas, de madeira e tijolo, e que a Sorocabana construiu 250 unidades em madeira; em Paranapiacaba, trecho que pertenceu à SPR, ainda hoje é possível observar diversas construções que empregaram a madeira.
[9] A EFA, por exemplo, desde o início de seu funcionamento, fez uso dessa prática; em um primeiro momento, era edificada uma estação em madeira e, posteriormente, com o fortalecimento do movimento naquele trecho, realizava-se a substituição dessa construção por uma outra em alvenaria de tijolos.
[10] Para dados e informações mais detalhadas acerca da torre de água, do reservatório e da “estação de água” presentes ou não no transporte ferroviário, ver: Andrade (2019).
[11] Durante pesquisas anteriores (RIBEIRO, 2019 e 2020), não foi possível saber se esse projeto tipo foi, de fato, executado.
[12] Carlos Schmitt foi o engenheiro responsável pelo prolongamento dos trilhos da EFA de Ribeirãozinho (atual Taquaritinga) até São José do Rio Preto. Para mais informações, ver: Ribeiro (2020).
[13] Andrade (2019) pontua que os reservatórios contavam com uma margem de segurança de 25%, ou seja, no exemplo apresentado, esse valor seria de 2.250 litros.
[14] A referida publicação observa que esse ponto de entroncamento entre o ramal de Tabatinga e a linha tronco da EFA era o local onde eram abastecidas a maioria das locomotivas da empresa que circulavam nesses trechos; porém o volume de água fornecido pelo antigo poço era insuficiente, o que fazia com as locomotivas que vinham do interior tivessem de abandonar parte das composições para conseguir terminar a viagem em Araraquara.
[15] Na atualidade o trecho que pertenceu à EFA é operado pela concessionária Rumo Logística; sendo assim, ele segue em atividades para o transporte de mercadorias.
[16] Agradeço à amiga Rosimar de Fátima Schinelo pelas imagens referentes às edificações de Uchoa, realizadas em 2022, durante o período de meu estágio de doutoramento na Università degli Studi di Roma – La Sapienza.
[17] Para obter mais informações acerca dessas estações ferroviárias, assim como das demais encontradas no trecho entre Araraquara e São José do Rio Preto ver: Ribeiro (2020); já sobre a estações no trecho entre São José do Rio Preto e Cosmorama ver: Ribeiro (2019).
[18] Com a retirada do tráfego ferroviário do interior da cidade, a manutenção em torno do pátio araraquarense, naquilo que diz respeito ao leito férreo e suas adjacências, tornou-se um problema. Na última visita ao local, em fevereiro de 2022, com o museu Francisco Aureliano de Araújo já em funcionamento após o período de pandemia, uma funcionária informou que a Rumo, empresa que detém a concessão nesse trecho, deixou de realizar a manutenção da área por não operar mais ali e que a prefeitura municipal não pode fazê-la, uma vez que esse local pertence à esfera federal.
[19] A tração elétrica difundiu-se pelo mundo com outras inovações como o motor a explosão, telefonia, eletricidade, rádio e as técnicas modernas de gerenciamento de produção (taylorismo) (PIRES, 2018).
[20] Para maiores detalhes sobre o processo de eletrificação de ferrovias no Brasil e no mundo ver: Oliveira (2012) e Pires (2018).
[21] A exemplo disso, em 1910, a Estrada de Ferro Corcovado eletrificou seus 4 km (PIRES, 2018).
[22] Após a eletrificação da Paulista, outros trechos ferroviários significativos adotaram essa tecnologia no Brasil: a Rede Mineira de Viação, em 1926, eletrificou 333 km de sua linha e, em 1937, a Central do Brasil empregou esse tipo de tracionamento em 189 Km de sua estrada (PIRES, 2018).
[23] Inicialmente, o sistema foi implantado no trecho com 44 km entre as cidades de Jundiá e Campinas e, posteriormente, em 1928, foi estendido de Rio Claro a Rincão, somando 286 km (OLIVEIRA, 2012).
[24] O contrato para a eletrificação de parte dessa estrada foi assinado quando ela ainda era denominada São Paulo Railway Company (SPR). No entanto, com a encampação da linha, em 1946, o que alterou o seu nome para Estrada de Ferro Santos-Jundiaí (EFSJ), o governo federal decidiu manter todos os contratos, inclusive o de eletrificação. Assim, a tração elétrica alcançou Paranapiacaba em 1959, abrangendo, naquele momento, quase toda a extensão da EFSJ (PIRES, 2018).
[25] Em âmbito nacional, a tração diesel-elétrica foi adotada pela primeira vez pela Viação Férrea Federal Leste Brasileiro, na Bahia, em 1938; em 1944, a Central do Brasil tornou-se a primeira ferrovia a iniciar um programa efetivo de dieselisação ferroviária. Alguns autores apontam esse tipo de tração como sendo o mais econômico (PIRES, 2018).
Eduardo Bacani Ribeiro. Arquiteto e Urbanista. É mestre e, atualmente, doutorando pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAU-USP), com bolsa da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp). Possui estágio de doutoramento de 12 meses na Università degli Studi di Roma – La Sapienza e, desde a graduação, desenvolve pesquisas nas áreas de História da Arquitetura e Preservação do Patrimônio Cultural, abordando, principalmente, os seguintes temas: bens culturais, políticas de preservação, conservação e restauração, arquitetura industrial e arquitetura ferroviária. É membro da Associazione Italiana per il Patrimonio Archeologico Industriale (AIPAI). E-mail: eduardoribeiro5@usp.br
… v.7, n.14 (2023)
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