Avaliação do efeito de produtos usados para conservação de superfícies metálicas

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| Vitoria Honorato Franco de Menezes, Maria Aline Marinheiro dos Santos, Hercilio Gomes de Melo, Virginia Costa |

O presente estudo visou, por meio do estabelecimento de um protocolo sistemático, oferecer condições para avaliar produtos utilizados empiricamente para conservação de artefatos metálicos cujas superfícies polidas apresentem danos superficiais, como manchas e riscos. A partir da simulação dessas alterações em amostras metálicas de alumínio, cobre e latão procedeu-se a aplicação dos produtos de tratamento, avaliando-se seu efeito sobre a remoção do dano e modificação da superfície inicial. Três tipos de manchas e riscos de profundidades diferentes foram tratados com pasta de carbonato de cálcio, pasta de pó de quartzo e um produto comercial para polimento. Os efeitos sobre as ligas metálicas foram diversos e a metodologia utilizada se mostrou adequada como referência para ampliar a gama de produtos avaliados.

Artefatos metálicos apresentando grandes superfícies polidas estão frequentemente sujeitos a alterações provocadas por manuseio indevido ou vandalismo, que podem ir desde impressões digitais leves até riscos de certa profundidade. Tais alterações, embora superficiais, interferem esteticamente com a leitura da obra e podem evoluir com o tempo provocando marcas de difícil, senão impossível, remoção a longo prazo (Fig.1).

Fig. 1: Exemplos de superfícies metálicas com alterações, como a) manchas e b) riscos, 2024 (fonte: autores).

Em alguns casos, para recuperar a unidade visual da obra, um desgaste controlado da superfície utilizando a técnica de polimento se faz necessário. Como tal tratamento acarreta remoção de material superficial é de fundamental importância que se investigue as consequências de sua utilização antes de aplicá-los às obras de arte [1, 2].

Diversos produtos e métodos têm sido usados na prática para resolver esta questão, a maioria das aplicações não tendo sido justificada por critérios objetivos e sim baseada na experiência pessoal de um profissional da área. Além disso, como a natureza dos artefatos é diversificada as possibilidades de emprego de produtos para tratamento deveriam ser consideradas caso a caso, o que demanda a validação de um protocolo de estudo sistemático [3, 4].

Materiais e métodos

Chapas metálicas de alumínio, cobre e latão medindo 7,0 x 5,0 x 0,1 cm foram adquiridas no comércio com o acabamento superficial disponível habitualmente. Sua caracterização foi feita em laboratório pela avaliação do grau de dureza, sendo o latão mais duro (125 HV0,1) seguido pelo cobre (101 HV0,1) e alumínio (39 HV0,1).

As amostras foram preparadas por lavagem com sabão neutro, enxague em água corrente e álcool e secagem com papel toalha. A seguir as superfícies foram manipuladas de forma a provocar os dois tipos de problemas abordados no estudo: manchas e riscos.

Três tipos de manchas foram produzidos: por pressão do dedo polegar, por aplicação de 1 gota de água e por aplicação de uma gota de solução de perspiração artificial 1% [5] (Fig. 2).

Fig. 2: Amostras de alumínio (a), cobre (b) e latão (c), apresentando três tipos de manchas provocadas por impressão digital, água e perspiração artificial, da esquerda para a direita, 2024 (fonte: autores).

Os riscos foram feitos aplicando três tipos de lixas d’água: n. 1200, n. 420 e n. 100 em tiras com 0,4 cm de largura. As lixas foram passadas perpendicularmente às linhas de laminação duas vezes, em sentidos opostos (Fig. 3). O efeito produzido pelas lixas na superfície das amostras foi avaliado por um rugosímetro portátil SJ-310 Mitutoyo, com amplitude de medida de 0,4 cm. As medidas apresentadas nos resultados correspondem aquelas feitas sobre os riscos na região central da amostra.

Fig. 3: Amostras de alumínio (a), cobre (b) e latão (c), apresentando três grupos de riscos provocados por, da esquerda para direita, lixas n. 1200, n. 420 e n. 100, 2024 (fonte: autores).

Três tipos de produtos de tratamento foram selecionados para o estudo: dois deles têm uso frequente em conservação-restauração conforme relatado por profissionais e o terceiro se trata de um produto comercial geralmente usado para polimento de metais, incluído para efeito de comparação.

  1. Carbonato de cálcio: laboratório de conservação do MAC-USP, misturado com água destilada para formar pasta;
  2. Pó de quartzo: micronizado (malha 1000, comércio diLuca), aplicado em forma de pasta pela mistura do produto com água destilada;
  3. Produto comercial para polimento: marca Brasso®.

 

Esses produtos foram aplicados em parte da superfície das amostras apresentando alterações com o auxílio de um chumaço de algodão, com leve pressão durante aproximadamente 30 segundos. A seguir as amostras foram lavadas com água corrente e detergente neutro com auxílio de uma estopa de algodão, enxaguada com água destilada e álcool etílico.

Resultados

(i) Testes com superfícies manchadas

Após um período de 1 semana de produção das manchas conforme descrito acima (Fig. 2) as amostras foram submetidas a tratamento com os produtos acima descritos e os resultados obtidos para as três superfícies metálicas são apresentados nas figuras 4 a 6 a seguir. A fim de avaliar não somente a eficácia do tratamento na remoção das manchas, mas também seu efeito sobre o aspecto geral da superfície, o produto foi aplicado parcialmente, apenas na região superior da imagem na coluna central, indicada pela linha pontilhada e flechas. Um detalhe da região tratada é evidenciado na coluna da direita (quadro pontilhado), para melhor perceber o efeito pelo reflexo da base quadriculada preto-branco.

Fig. 4: Efeito na remoção das manchas e alterações visuais da superfície das amostras de alumínio após aplicações de carbonato de cálcio (a), pó de quartzo (b) e produto comercial para polimento (c), 2024 (fonte: autores).

Fig. 5: Efeito na remoção das manchas e alterações visuais da superfície das amostras de cobre após aplicações de carbonato de cálcio (a), pó de quartzo (b) e produto comercial para polimento (c), 2024 (fonte: autores).

Fig. 6: Efeito na remoção das manchas e alterações visuais da superfície das amostras de latão após aplicações de carbonato de cálcio (a), pó de quartzo (b) e produto comercial para polimento (c), 2024 (fonte: autores).

Um resumo dos resultados se encontra na tabela 1 a seguir, onde foram atribuídas notas para a aptidão dos produtos a remover manchas nas diferentes superfícies.

Tabela 1: Resumo dos resultados, com notas atribuídas para a remoção das manchas e descrição da alteração visual após aplicação do produto, 2024 (fonte: autores)

(ii) Testes com superfícies riscadas

Os resultados obtidos após aplicação dos produtos sobre as superfícies riscadas conforme descrito acima (Fig. 3) estão apresentados nas figuras 8 a 10 a seguir. Da mesma forma que no caso das manchas, aqui também o produto foi aplicado parcialmente, apenas na região inferior da imagem na coluna central, indicada pela linha pontilhada e flechas.  A coluna da direita apresenta um gráfico com os valores de rugosidade (Ra) medidos para a superfície inicial (sem lixamento) e aqueles obtidos nas regiões riscada antes e depois da aplicação dos produtos de tratamento.

Fig. 7: Alterações visuais da superfície das amostras de alumínio após aplicações de carbonato de cálcio (a), pó de quartzo (b) e produto comercial para polimento (c), e gráfico comparativo dos valores de Ra antes e após aplicação dos produtos, 2024 (fonte: autores).

Fig. 8: Alterações visuais da superfície das amostras de cobre após aplicações de carbonato de cálcio (a), pó de quartzo (b) e produto comercial para polimento (c), e gráfico comparativo dos valores de Ra antes e após aplicação dos produtos, 2024 (fonte: autores).

Fig. 9: Alterações visuais da superfície das amostras de latão após aplicações de carbonato de cálcio (a), pó de quartzo (b) e produto comercial para polimento (c), e gráfico comparativo dos valores de Ra antes e após aplicação dos produtos, 2024 (fonte: autores).

A aplicação do carbonato de cálcio não ocasionou alterações no aspecto dos riscos feitos pelas lixas. O pó de quartzo e o produto comercial para polimento, por outro lado, resultaram na redução aparente dos riscos feitos pelas lixas (especialmente nos riscos feitos por lixa número 1200).

Quanto à rugosidade, os valores medidos de Ra indicam que no caso do alumínio e do cobre houve uma redução da rugosidade em geral após o tratamento. Já no caso do material com maior dureza, latão, se observa que a aplicação do produto menos agressivo, carbonato de cálcio, não teve nenhum efeito sobre este parâmetro.

Conclusões

Os ensaios realizados possibilitaram a avaliação do efeito dos produtos de tratamento sobre as superfícies metálicas com alterações provocadas artificialmente.

No caso das superfícies apresentando manchas o efeito foi diverso. Para o alumínio todos os produtos testados mostraram aptidão a remover total ou parcialmente as manchas simuladas, dependendo da sua natureza. Para as amostras de cobre e latão se observa que a eficácia do tratamento no que diz respeito à remoção das manchas foi menor, senão mesmo impossível no caso da perspiração. No que diz respeito a modificação da superfície, apenas a pasta de carbonato de cálcio não provocou alteração superficial observável pelo reflexo.

Em relação aos riscos, o efeito dos produtos de tratamento é visível quando se compara regiões tratadas e não tratadas, mostrando um atenuamento dos mesmos, o que foi confirmado pelas medidas de rugosidade. No entanto, apesar de se constatar esta melhoria, em nenhum caso os riscos foram removidos completamente, mesmo se tratando de marcas finas, como as produzidas pela lixa n. 1200.

Este estudo permitiu uma avaliação sistemática dos efeitos de diferentes produtos empiricamente utilizados na conservação de superfícies de artefatos metálicos. Evidentemente, os resultados da pesquisa não devem ser aplicados direta e indiscriminadamente às obras, como se fossem receitas, e sim considerados como etapa inicial de um processo que deve levar em conta, sobretudo, a singularidade material de cada uma delas. Uma vez caracterizada a obra testes complementares variando alguns parâmetros (diluição, modo de aplicação etc.) deverão ser aplicados usando amostras de material similar ou diretamente em partes não visíveis das próprias obras.

Além disso, a abordagem aqui apresentada, além de não onerosa, provou ser objetiva e sistemática quando se trata de avaliar produtos disponíveis, cujo efeito sobre os artefatos ainda não tenha sido protocolado, podendo ser aplicado sempre que se fizer necessário.


Agradecimentos

Este trabalho foi realizado no âmbito do projeto financiado pela FAPESP n. 2022/12908-6 (Desenvolvimento de metodologias para restauração de obras de arte contemporâneas em metal) coordenado pela profa. Dra. Ana Gonçalves Magalhaes.

O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – Brasil (CAPES) – Código de Financiamento 001.


Notas 

[1] CUSHMAN, Matthew. The science for conservators series: Cleaning. [S. l.]: Routledge, 1992.

[2] CANADIAN CONSERVATION INSTITUTE (CCI). Silver – Care and Tarnish Removal. Canada, 1993. Disponível em: <https://www.canada.ca/en/conservation-institute/services/conservation-preservation-publications/canadian-conservation-institute-notes/care-silver.html>. Acesso em: jun. 2024.

[3] LIND, Sven E. Corrosion of metals by human sweat and its prevention. In: Corrosion Science, [s. l.], v. 12, ed. 9, p. 749-750, 1972. DOI. Disponível em: <https://doi.org/10.1016/S0010-938X(72)91242-5>, Acesso em: jun. 2024.

[4] SAMANT, Anand V.; GRENSING, Fritz C. Corrosion of copper alloys in consumer electronics environments. In: Materials Performance: Corrosion, prevention and control worldwide, [s. l.], v. 54, p. 64-67, 2015.

[5] INTERNATIONAL ORGANIZATION FOR STANDARDIZATION (ISO). ISO 3160-2: Watch-cases and accessories — Gold alloy coverings — Part 2: Determination of fineness, thickness, corrosion resistance and adhesion. Switzerland: ISO, 2015. 1


Vitoria Honorato Franco de Menezes

Bacharel em Química Tecnológica pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), mestre em ciências e doutoranda pelo Departamento de Engenharia Metalúrgica e de Materiais da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (PMT – EP/USP). E-mail: vitoria_hfm@usp.br

Maria Aline Marinheiro dos Santos

Aluna do 5º semestre em Mecânica: Processo de soldagem na Faculdade de Tecnologia de Itaquera ‘Prof. Miguel Reale’ (Fatec Itaquera). E-mail: mariaalinemarinheiro@gmail.com

Hercilio Gomes de Melo

Professor do Departamento de Engenharia Metalúrgica e de Materiais da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (PMT – EP/USP). Responsável pelo Laboratório de Processos Eletroquímicos (LPE) e de corrosão. E-mail: hgdemelo@usp.br

Virginia Costa

Engenheira metalúrgica pela UFRGS e PhD em Ciência dos Materiais pela TU-Berlin, especializada em conservação do patrimônio histórico e cultural metálico. Atuou como consultora independente para diversas instituições, entre as quais Musée du Louvre (Paris), Kunsthistorisches Museum (Viena), English Heritage (Londres), Museu Paulista e Museu de Arte Contemporânea (São Paulo). Bolsista convidada do ICCROM (Roma) e Getty Museum (Los Angeles), publicou inúmeros artigos sobre caracterização, tratamento e conservação preventiva de metais culturais e um livro, “Modern Metals in Cultural Heritage” (Getty Conservation Institute, 2019). E-mail: virginia.costa@gmail.com 


logo_rr_pp… v.8, n.15-16 (2024)

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